Humordazmente vamos resistindo por 50 anos

Autor:
Redação

Seção:
Memória

Publicado em:
28 de Outubro de 2025

Tempo de leitura:
6 minutos

Desenho do Marcos Benjamim para a capa do Humordaz que acabou não sendo utilizada ao lado da capa que foi às bancas

Humordazmente vamos resistindo por 50 anos

Por: Redação

A Revista Pirralha lembra, passados 50 anos, o surgimento do Humordaz, uma página semanal de humor no jornal O Estado de Minas que acabou por se tornar um dos marcos do humor gráfico de resistência. Criada pelo cartunista LOR e por um grupo de artistas tornou-se um verdadeiro movimento cultural de enfrentamento à ditadura militar que oprimia o país. Das páginas do jornal a publicação migrou em junho de 1976 para uma revista impressa (Almanaque Humordaz) que fechou suas portas devido às contingências políticas do período, principalmente pela censura prévia que mutilava as charges antes de irem para a gráfica.

Após o massacre dos cartunistas do Charlie Hebdo nasceu a ideia de resgatar a experiência que ressurgiu em 2015 na rede de computadores como O Humordaz; humor de primeira, toda segunda, mas, “o sonho antigo de reunir cartunistas mineiros numa espécie de Pasquim eletrônico”, infelizmente não deu certo mais uma vez. No século XXI, segundo ele, o problema não teria sido político, sim tecnológico; “fomos temporariamente vencidos por Elon Musk e seus batalhões de bots”.

LOR é cartunista desde 1973, premiado em salões de humor, Mestre do Quadrinho Nacional em 2006 quando recebeu o Troféu Angelo Agostini, publicou cartuns e quadrinhos e ilustrou livros de muitos outros autores. No momento ele mantém um blog: Humor OCASIONAL Cartuns, charges, quadrinhos, falsos poemas, memórias e outras invenções. Recomendado para pessoas acima de 75 anos (AQUI). LOR também é médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e nos últimos 22 anos, devido ao fato de uma de suas filhas ter nascido com uma doença rara, passou a dedicar-se às neurofibromatoses, inclusive prestando trabalho voluntário na Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatoses (www.amanf.org.br).

Como a Revista Pirralha integra esta corrente teimosa e persistente de chargistas que insistem em apresentar suas criações ao público apesar de todas as dificuldades prestamos homenagem ao Humordaz. Você pode conhecer melhor esta experiência através de texto produzido pelo LOR (AQUI) e na carta escrita pelo Nilson comentando a matéria (reproduzida a seguir)

Carta do Nilson sobre os 50 anos do Humordaz

50 anos? Putz...você está ficando velho...

Mas que bom vocês escreverem sobre o Humordaz!

Acho que o texto ficou muito bom... só faltou o seguinte:

Vi que vocês usaram o desenho do Marcos Benjamim para ilustrar o aniversário do nosso Humordaz e não a capa tradicional. Me junto a vocês nessa reparação... na época eu fui a favor do Benjamim na capa do número 2... não sei o que aconteceu, e usaram o desenho lá dentro, mas esse troço sempre me incomodou dele não ter ido para a capa.

Quero responder a pergunta que todos fazem: quem criou o nome Humordaz foi você.

Aquilo que começou como uma tira vertical na página final de sábado do jornal O Estado de Minas acabou ocupando a página toda, mudando de lugar, inclusive, a coluna semanal do Roberto Drummond  para outra página.

Vocês leram a tese da Professora Normélia Miranda sobre o Humordaz? (ver aqui a tese) Ela ainda pegou o Afo vivo. É uma análise muito interessante sobre o papel do Humordaz na cultura mineira da época.

Discordo que o Almanaque do Humordaz não vendia... vendíamos em BH mais do que o próprio Pasquim...no lançamento no Teatro Marília nós demos mais de 400 autógrafos e não conseguimos atender todo mundo que queria...

Lembro que éramos filhos do Pasquim e colaborávamos com o próprio Pasquim e com outros filhos do Pasquim que ajudamos a criar, como a revista UAI os jornais De Fato, Em Tempo, Jornal dos Bairros...

Faltou citar o os novos artistas que nós lançamos, o Hernandez (precocemente falecido) e o Levy Carneiro, assim como abrimos para novos cartunistas como Melado e Aroeira. Inclusive, criamos para o leitor o concurso Cartunistas de Amanhã, em que apareceram muitos desenhistas.

Quanto ao capítulo das intimidações que recebemos, houve os telefonemas estranhos e no meio de dezenas de cartas amistosas dos leitores vinham cartas ameaçadoras. E fomos chamados para dar explicações na Polícia Federal e o Procópio quem foi lá.

E a cereja do bolo: o censor fantasma, que nos censurava na oficina do próprio jornal, adulterando nosso trabalho e provocando charges que saíam publicadas com balões vazios, sem texto. Diante disso, respondemos criando um concurso pedindo que os leitores preenchessem os balões que porventura saíssem vazios e enviassem para nós... E premiávamos os melhores com originais do artista que escolhessem.

Sim, a distribuição era um problema que afetava todas as revistas alternativas (fora da grande imprensa), inclusive o Pasquim e a revista literária mineira Inéditos. Conseguimos distribuir o Almanaque do Humordaz para Rio e São Paulo, mas descobrimos que as empresas levavam os exemplares mas não os colocavam nas bancas.

Também faltou dizer que o curso que demos na Biblioteca Pública era gratuito, graças à artista plástica Marina Nazareth (amiga da Thalma) e resultou na publicação de um livrinho chamado Cualé a do Batman (capa acima) com textos nossos dissecando a ideologia dos quadrinhos. O livrinho se esgotou e hoje é quase impossível achar um, mesmo em sebos. Nesse curso chamamos para falar o Nani, o Eliphas Andreato, o Guidacci, o Vasques, o Henfil e o Paulo Caruso (que perdeu o avião). O Henfil veio com a Bruna Lombardi, musa da televisão na época, lembram?

Mas o que acabou mesmo com o Almanaque do Humordaz não foram os encargos financeiros e o problema da distribuição...foi a exigência de fazer o mesmo que o Pasquim e a Revista Inéditos: submeter todo o nosso trabalho à Censura Prévia em Brasília!!! E nem podíamos dizer ao leitor que estávamos sob censura! Assim, o produto que chegava aos leitores era fraco e não podíamos explicar o porquê... além da Ditadura, havia uma guerra do Vietnã no caminho e outras ditaduras em quase todos os países vizinhos e era muito difícil driblar a Censura para falar sobre tudo isso. Então, decidimos coletivamente parar.  

Já a página do Estado de Minas parou porque depois de um ano e meio de sucesso não recebemos um tostão e subimos nas tamancas com o diretor geral Ciro Siqueira...lembra?

Acho que uma das melhores coisas do Humordaz, além do sucesso da resposta do leitor e de sermos chamado para debates em vários lugares, eram as decisões democráticas, tomadas de forma coletiva.

Sou meio detalhista e não sei se tudo isso interessa... você e a comadre decidem.

Abraço com mais de 50 anos,

Nilson

PS: A revista Inéditos era feita pelo Wladimir Luz e também parou por causa da Censura.