O rosto está rindo mas o coração sangrando

Autor:
Redação

Seção:
Noticiário geral

Publicado em:
14 de Abril de 2025

Tempo de leitura:
5 minutos

Charge de Osana Nazzal, um dos representantes da nova geração de cartunistas palestinos que desafiam a ocupação com o humor

O rosto está rindo mas o coração sangrando

Por: Redação

O secretário-geral da União Geral dos Escritores da Palestina, Murad Sudani (no destaque), esteve em visita oficial ao Brasil neste mês de abril quando assinou um acordo de cooperação cultural com a União Brasileira dos Escritores (UBE) para promover o intercâmbio cultural entre os dois países. Em meio aos compromissos de sua agenda constou um encontro, realizado no Sindicato dos Jornalistas, onde deu um depoimento exclusivo para Guto Camargo, da Revista Pirralha, apresentando uma reflexão sobre a ocorrência do humor em situações de conflito e seu uso como forma simbólica de resistência, abordando particularmente o caso da Palestina.

Durante o encontro foi apresentada a ideia de estender a parceria Brasil-Palestina para a área da ilustração, com exposição e intercâmbio de obras gráficas, iniciativa que seria feita a partir da Revista Pirralha e seus parceiros, projeto que ficou de ser analisado pelas partes.

O depoimento a seguir foi traduzido por Mamede Mustafa Jarouche, professor de língua e literatura árabe na Universidade de São Paulo.

"Normalmente nas guerras, nos momentos de destruição e tragédias aparecem os paradoxos e a ironia como arma de resistência. Na Palestina há escritores humorísticos, irônicos, que da dor fazem derivar a esperança e a vida, trata-se de um humor trágico pois o rosto está rindo, mas o coração está sangrando. Isto cria um paradoxo ao mesmo tempo que é contundente e atinge as pessoas. Uma vez que é um caminho para se chegar ao público e aos leitores, o humor está presente na história de todas as literaturas do mundo, na Palestina temos o poeta Ibrahim Tuqan (1905-1941) cuja poesia se caracteriza pela ironia, pelo uso do paradoxo e pela resistência em relação à destruição e o roubo de terra.

O humor também está presente em situações imprevistas, você tem essa destruição em Gaza e, de repente, vê crianças dançando, ou uma mãe que perdeu toda a família e, no entanto, diz palavras importantes e valoriza a vida. Isto é o paradoxo, isto é uma arma de defesa e de ataque contra a morte e você a encontra presente na caricatura, no jornalismo, nas artes, na escrita irônica, humorística, no teatro, no cinema.

Por isso o humor sempre esteve presente na resistência histórica do povo palestino em sua luta pela liberdade. Está presente há 100 anos em todos os âmbitos da Revolução Palestina; nas artes e na literatura. E mesmo neste momento político pelo qual passa a Palestina existe espaço para o humor que surge das próprias circunstâncias. Mesmo com a destruição, com a morte, existe espaço para a ironia.

Os palestinos são parados nas barreiras e obrigados a permanecer um longo período aguardando, duas, três, quatro horas. Durante esta espera humilhante as pessoas comuns, os motoristas de táxi, passam a fazer piadas improvisadas, mesmo nestas condições difíceis eles assumem este tipo de atitude. No entanto, não existem publicações específicas de humor, mas sim criações individuais, uma caricatura, uma charge, uma poesia, ou uma peça de teatro, ou seja, vários artistas se utilizam da ironia mas não existe uma publicação dirigida a isto."

A luta dos chargistas palestinos

Entre os cartunistas e caricaturistas palestinos que merecem ser melhor conhecidos no Brasil Murad Sudani cita nomes da nova geração como Mohammad Sabana, Omaya Joha e Osama Nazzal que são vistos como “descendentes” de Naji Al-Ali, o mais conhecido internacionalmente dos cartunistas palestinos que foi assassinado em Londres em 1987 (fotos obtidas nas redes sociais dos artistas).

OMAYA JOHA – A primeira mulher chargista a publicar na imprensa palestina, em 2001 ganhou o Prêmio de Jornalismo Árabe, honraria importante neste ambiente dominado por homens. A vida de Omaya ficou marcada por duas tragédias: seu primeiro marido, Rami Khader Saad, um combatente no Izz el-Deen al-Qassam (um dos grupos do Hamas), foi morto pelas forças israelenses em Gaza; o segundo marido; Wael Oqailan, morreu em 2009 por consequência do cerco israelense que o impediu de deixar a Faixa de Gaza para procurar tratamento médico depois de ser ferido em uma explosão.

OSAMA NAZZAL - Começou a carreira em 2004 no diário Al Mubadars. Em 2005, aos 22 anos, foi condenado a 7 anos de prisão pela sua participação na segunda intifada e passou dois anos e meio na prisão pois é libertado em uma troca de prisioneiros. Em 27 de março de 2022 soldados israelenses invadiram seu estúdio, que está localizado na casa de seus pais na aldeia de Kafr Ni'ma, interrogaram seus familiares e confiscaram pelo menos 15 de suas obras. Na ocasião o artista não se encontrava no local mas precisou se apresentar à polícia que havia detido seu irmão.

MOHAMMAD SABAANEH - Trabalha como cartunista desde 2002 publicando em diversos jornais árabes e foi detido em 2013 pelas autoridades israelenses. Organizou oficinas com crianças que testemunharam ataques israelenses para ajudá-las a usar o desenho como forma de terapia e de expressão de seus sentimentos. Realizou diversas exposições internacionais, foi premiado em vários concursos, tem livros publicados nos EUA, Reino Unido e Espanha e seu último trabalho, Trinta segundos em Gaza, apresenta ilustrações em preto e branco baseadas em situações reais da guerra, a renda obtida com a venda é revertida para o projeto Cocina X Palestina, sobre segurança alimentar mantido pela Fundação Al-Fanar, sediada na Espanha.