HQ continua livre para conscientizar o povo

Autor:
Redação

Seção:
Desenhistas

Publicado em:
17 de Junho de 2022

Tempo de leitura:
5 minutos

HQ continua livre para conscientizar o povo

Por: Redação

A cidade de Campinas, interior de São Paulo, foi palco de um embate entre um grupo de vereadores reacionários, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, e o campo progressista local simbolizado na figura da vereadora Guida Calixto, do Partido dos Trabalhadores (PT). Particularmente incomodados com uma cartilha em forma de gibi, confeccionada por Guida em seu mandato, resolveram propor a criação de uma Comissão Processante que poderia, inclusive, cassar o mandato da vereadora. O cento da discórdia se deu em torno da HQ , Territórios negros, nossos passos vêm de longe, ilustrada por João da Silva, que retrata a trajetória dos negros da cidade deste os tempos da escravidão até o momento atual.

Usando como desculpa uma ilustração da cartilha que retrata uma passeata onde se pode ver uma faixa com a frase "fogo nos racistas", acusaram a vereadora (e o gibi) de incitarem a violência e, portanto, atentar contra o decoro parlamentar. Obviamente trata-se de manipulação e distorção de um slogan popular amplamente utilizado em centenas de manifestações anti racistas em todo o país e pelas redes sociais que o artista simplesmente reproduziu em seu trabalho (leia mais sobre a questão AQUI). De qualquer modo, a manobra da direita foi barrada em votação na Câmara e o gibi "alforriado" para continuar a circular, informar e conscientizar os leitores sobre a questão racial em Campinas, e, de modo geral,no Brasil. (Veja a nota da vereadora sobre o encerramento do caso ao final)

O cartunista

O ilustrador da HQ é o cartunista João da Silva, morador de Campinas que além de Territórios negros, nossos passos vêm de longe faz quadrinhos autorais; "gosto mais da ideia de gibis do que da coisa rápida das redes sociais' afirma. O artista possui uma forte ligação com o movimento popular e já fez quadrinhos e charges pro Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Brigadas Populares, Fábrica Ocupada Flaskô e vários sindicatos.

João da Silva  é um artista que pode ser classificado como descendente do movimento "udigrudi"  que, antropofagicamente, traduziu a contracultura underground da Europa e dos EUA para o Brasil a partir dos anos de 1970. Não por acaso, ele já se definiu como "cartunista de semáforo", além de "meio músico, meio quadrinista, meio garçom, meio malabarista, meio vendedor, meio palhaço, meio ajudante de cozinha, meio poeta". Sobre sua participação na confecção do gibi Territórios negros deu um breve depoimento à Revista Pirralha.

"Fui mais tradutor das ideias do que propriamente autor. Ilustrei um roteiro muito bonito que enaltece os territórios negros de Campinas. É bom frisar que foi um trabalho de meses. O argumento da HQ Território Negros foi escrito pelo mandato da Guida em conversa com muitas pessoas dos territórios negros ilustrados na HQ. O mandato fez uma pesquisa iconográfica muito rica, de fotos antigas e atuais. Meu contato no mandato começou com o Silas, que é do cursinho popular Herbert de Souza onde eu tinha, há uns anos, adaptado um poema do Joey pro jornal do cursinho, daí mantivemos contato. O Silas, a partir de conversas com as pessoas do mandato e dos territórios, me mandava os textos e as fotos. Daí eu compunha, a partir deste material, um desenho pra cada território. Em resumo foi isso".

* VEJA O GIBI TERRITÓRIOS NEGROS (EM PDF) AQUI *

Nota da Vereadora Guida Calixto (PT) sobre violência política de gênero, racismo e tentativa de censura

Ontem, 13 de junho, por 28 votos contrários e 3 votos favoráveis, o pedido de Comissão Processante contra o nosso Mandato foi derrotado.

Em diversas oportunidades tenho afirmado que o que ocorreu não foi um fato isolado, é parte de uma escalada da violência política da extrema direita bolsonarista, insuflada pelo próprio Presidente da República. Para aplicação do programa neoliberal, de retirada de direitos trabalhistas e redução das políticas públicas e sociais, Bolsonaro ameaça constantemente até mesmo as instituições democráticas que sempre protegerem os interesses dominantes em nosso país e que patrocinaram o golpe de 2016.

Diante da possibilidade de serem defenestrados da presidência, reagem com violência. Aqui em Campinas, os questionamentos a nossa História em Quadrinhos Territórios Negros e a tentativa de cassação do mandato expressam parte dessa escalada violenta, em particular da violência política de gênero, o que demonstra que os setores parlamentares reacionários não admitem a valorização da cultura afro-brasileira, o debate crítico de ideias, o combate ao racismo estrutural.

A imensa solidariedade recebida ontem precisa ser transformada num instrumento constante de mobilização dos setores progressistas e de esquerda em nossa cidade, pois os ataques continuarão, seja no parlamento, seja nas ruas. A tentativa de aprovação da internação compulsória de pessoas em situação de vulnerabilidade social, apresentado por um vereador bolsonarista, é a face da crueldade desses setores, que acreditam que a higienização com a retirada violenta de pessoas das ruas poderá acabar com o aumento da miséria provocada pelo governo genocida que defendem.

Nossa História em Quadrinhos Territórios Negros continuará a cumprir um importante papel de valorização dos territórios, das organizações e das manifestações da população negra em nossa cidade. Os racistas, muito provavelmente, continuarão suas ações de intimidação de educadores e gestores, e essas práticas de intolerância, ao invés de coibir, tem ampliado ainda mais a procura pelo nosso material, o que demonstra a compreensão do papel educativo da HQ.

Diante de tudo o que ocorreu, registro mais uma vez o agradecimento pela enorme militância que compareceu à Câmara Municipal, os envios de mensagens de solidariedade e a disposição de luta contra a barbárie. Venceremos!

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Imagem de abertura; montagem a partir de obras de João da Silva