Em Campinas racistas querem censurar gibi

Autor:
Redação

Seção:
Noticiário geral

Publicado em:
13 de Junho de 2022

Tempo de leitura:
7 minutos

Em Campinas racistas querem censurar gibi

Por: Redação

A vereadora Guida Calixto, do Partido dos Trabalhadores (PT), cujo mandato prioriza ações no campo do combate ao racismo produziu a história em quadrinhos Territórios Negros, ilustrada por João Silva e, por isto, paira sobre seu mandato a ameaça de abertura de uma Comissão Processante. Um primeiro pedido foi protocolado pelo presidente do PRTB e arquivado no dia 8 de julho por não atender as exigências do Regimento Interno da Câmara Municipal de Campinas, Não contente com o resultado a direita protocolou novo pedido no dia 9 que será apreciado nesta segunda-feira, 13 de junho.

A HQ Territórios Negros é um mapeamento que aponta ações, espaços e organizações negras de relevância social na história de Campinas distribuído nas escolas do município e, segundo seus autores, tem gerado muitos convites para apresentações em escolas, bibliotecas, eventos culturais, casas de cultura e espaços religiosos. Se por um lado a perseguição racista mobilizou o campo reacionário da política local, por outro, levantou uma onda de solidariedade do movimento negro, apoio de políticos comprometidos com as causas populares, grupos sociais diversos e chargistas que se levantaram contra a censura.

Consequentemente, pela segunda vez, as forças democráticas se mobilizam para impedir a intolerância e o racismo em nova manifestação em frente à Câmara Municipal de Campinas no final da tarde do dia 13 de junho, com total apoio dos cartunistas que lutam pela liberdade de imprensa e contra a censura.

Nota da vereadora sobre o caso

Racismo e a violência política de gênero em Campinas

Nosso mandato, após consultar as entidades envolvidas, produziu uma História em Quadrinhos (HQ) sobre Territórios Negros como parte das ações de combate ao racismo e ao preconceito com a descrição de espaços, organizações, manifestações e fatos históricos do povo negro em Campinas.
Enviamos um exemplar para as escolas e bibliotecas públicas, centros culturais, terreiros e diversos outros espaços de Campinas, com a disponibilidade para debates acerca do conteúdo. Além disso, a HQ é distribuída nos locais retratados no material, além de muitas outras demandas.

Na reunião ordinária da Câmara Municipal, no dia 1 de junho, após um pronunciamento de ódio atacando a História em Quadrinhos Territórios Negros, produzido por nosso mandato, soubemos do requerimento de informações produzido por um vereador bolsonarista questionando sua distribuição nas escolas de Campinas.

O próprio requerimento que nos ataca é, por si só, uma demonstração cabal do quanto é importante a Educação Antirracista em nossa sociedade. Pois, o requerimento refere-se a “palestra sobre escravidão onde foi distribuído o material”. É certo que é preciso lembrar a dívida histórica que o país tem com a população negra ao reivindicar políticas públicas  reparatórias por séculos de escravização. Porém, o foco da narrativa na HQ Territórios Negros é enaltecer nossa ancestralidade, que deixou grandes contribuições à formação do povo brasileiro e à humanidade em seu conjunto, deixando como fruto inúmeros territórios que lutam contra o extermínio sistemático, tanto material como subjetivo, sofrido pelo povo negro em nossa sociedade.

A menção à odiosa escravidão é quase inexistente na referida HQ. A história dos descendentes de africanos é milhares de anos anterior a este lamentável capitulo da história do capitalismo mercantil. A abordagem que trata a escravidão como o ponto de partida da história da população negra apresenta-se como perspectiva racista e é condenada pelos estudiosos das relações étnico raciais. Para os racistas, tudo o que se relaciona à negritude diz respeito apenas à escravidão, enquanto que para nós, sabemos que nossos passos vêm de longe e seguirão para mais longe ainda.

A HQ Territórios Negros é um mapeamento que aponta ações, espaços e organizações negras de relevância social na história de Campinas, e a única ideia que ocorre à esse vereador, em seu Requerimento é a temática da escravidão. Isso é um evidente sinal da falta de um mínimo de Letramento Racial.

No entanto, acreditamos que o mapeamento e difusão dos Territórios Negros de Campinas encontra sua maior relevância nos espaços de educação, onde o Estado busca implementar políticas publicas que reflitam compromissos assumidos tanto por ocasião da Declaração e Programa de Ação da III Conferência Mundial  de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, ocorrida em Durban, em 2001, ocasião em que o Brasil tornou-se signatário, como também por ocasião da aprovação da Lei Federal 10.639/03, que obriga Ensino da história e cultura africana e afro brasileira em todas as escolas.

Não satisfeitos com essas ações iniciais, no dia 7 de junho, o PRTB protocolou um pedido de Comissão Processante por quebra de decoro parlamentar pela produção da História em Quadrinhos Territórios Negros.

Esse pedido é parte de um ataque organizado pela extrema direita bolsonarista, que busca, pelo Brasil afora, ampliar a escalada da violência política, aprofundar as políticas neoliberais, retirar direitos econômicos e sociais da classe trabalhadora, privatizar as empresas públicas.

Em Campinas, esse projeto político expressa-se por um pequeno bloco parlamentar de extrema direita que protagoniza fatos lamentáveis em nossa cidade: a negação das vacinas, o combate ao uso de máscaras pelas crianças nas escolas, a perseguição à educadores e parlamentares, a defesa de um governo genocida e de suas políticas de fome. Esse setor é o mesmo que mobilizou integrantes de movimentos fascistas, integralistas e supremacistas na Câmara Municipal, acarretando nos ataques racistas contra a Vereadora Paolla Miguel.

Não é coincidência que esse novo ataque ocorre no mesmo momento em que a CPI antifascista foi aprovada e que eu fui designada como relatora. Um dos componentes desse bloco de extrema direita teve a coragem de afirmar, em plena sessão, que foi um perigo aprovar uma CPI antifascista organizada pela esquerda.

Esse pedido de Comissão Processante foi mais um ataque misógino, de uma continuada violência política de gênero de um setor que não admite a presença de uma mulher negra e trabalhadora no parlamento campineiro.

No dia 8 de junho, o pedido de Comissão Processante foi arquivado por não atender as exigências do Regimento Interno da Câmara Municipal de Campinas. Além dos erros formais, a mobilização da militância, que marcou presença no plenário da Câmara, foi fundamental para demonstrar para a extrema direita que haverá resistência diante da violência política de gênero, do preconceito e do racismo, das tentativas de censura e intimidação.

A perseguição política continuou. O presidente do PRTB protocolou, em 9 de junho, outro pedido, corrigido, de comissão processante contra o nosso mandato. Na segunda-feira, 13 de junho, o pedido irá para votação no plenário da Câmara Municipal.

A extrema direita insiste em criminalizar nossa atuação por meio de ações golpistas, pela intimidação e tentativa de censura. Essas ações não me farão recuar dos princípios e valores que eu defendo. Meus passos vêm de longe, carregam o sofrimento e a luta de mulheres e homens que enfrentaram situações muito mais adversas, que derrubaram ditadores, que sonharam com a construção de um mundo mais justo e solidário, que combateram todo tipo de preconceito e opressão.

Guida Calixto
Funcionária pública, advogada e vereadora (PT)

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Imagens: reprodução de parte da capa da publicação (abertura) e foto da vereadora obtida em seu Facebook