Memorial da América Latina e os modernistas

Autor:
Redação

Seção:
Exposições

Publicado em:
6 de Fevereiro de 2022

Tempo de leitura:
9 minutos

Memorial da América Latina e os modernistas

Por: Redação

O ilustrador e chargista Luiz Carlos Fernandes, com curadoria do cartunista Jal (José Alberto Lovetro), apresenta a partir de 13 de fevereiro no Memorial da América Latina a exposição Pilares de 22 com 16 caricaturas de artistas ligados à Semana de Arte Moderna de 1922 e artistas que contribuíram para difundir as ideias modernistas pela América Latina.

As ilustrações terão quase cinco metros de altura e serão expostas nas pilastras do prédio do Pavilhão da Criatividade Darcy Ribeiro, na Praça da Sombra e estarão abertas à visitação pública – respeitando os protocolos sanitários vigentes – a partir de 13 de fevereiro com previsão de ficarem por lá durante um ano.

Para a exposição foram escolhidos não só participantes da Semana de Arte Moderna de 22, mas também outros artistas que se enquadram no movimento modernista na América Latina. As obras retratam Victor Brecheret, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Graça Aranha, Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Villa-Lobos, Antonieta Santos Feio, Guiomar Novaes, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Plínio Salgado, Tarsila do Amaral, Manuel Bandeira e Pagu.

O ARTISTA - Luiz Carlos Fernandes vive em Santo André MAS nasceu em Avaré, interior de São Paulo, trabalhou vários anos na imprensa e recebeu diversos prêmios de artes gráficas no Brasil e no exterior, entre eles o primeiro lugar no World Press Cartoon em 2017.

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Você vai fazer uma grande exposição no Memorial da América Latina que tem como tema a Semana de Arte Moderna de 1922. Queria que me contasse sobre esse projeto.

É uma grande surpresa, isso aí acontece a cada 100 anos. Outra oportunidade dessa só daqui 100 anos (risos). Já fiz várias exposições, a primeira em 1979, mas essa vai ser ‘a grande exposição’. A previsão é de ficar um ano ali, em um lugar onde muitas pessoas passam, bem visível. Estou empolgado, procurando um caminho nas caricaturas. É um compromisso muito importante.

Como surgiu o convite e qual o nome da exposição?

O nome é Pilares de 22 e o convite partiu do Jal, um amigo meu. Tinha pouco tempo para fazer, mas já está tudo desenhado praticamente. Fiz elas em um tamanho maior para aparecerem mais os detalhes, porque vai ser 1,5 metro por 4,5 de altura, é um zoom no desenho.

Como é o processo criativo dessas caricaturas. Quem vão ser os caricaturados e o que você tenta colocar nestes desenhos de forma que a pessoa bata o olho e já veja quem é o personagem?

Procurei não exagerar muito. É uma caricatura mais comportada e que lembra a pessoa. Como é na vertical faço em duas partes e depois monto no computador. Faço no sépia, que remete a algo envelhecido, e dou um tratamento. Tudo de forma rápida. Trabalhei 40 anos em jornal, então você vai por vários caminhos. (No jornal) Tem de, de repente, desenhar um caderno infantil, fazer uma página de Cultura, então você acaba adquirindo a rapidez, que você tem um tempo para entregar e tem de resolver, acaba indo por vários caminhos. São 16 caricaturados: Oswald, Mário, Anita Malfatti, Tarsila, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Victor Brecheret – fiz ele meio escultural -, Plínio Salgado, Antonieta Campos Feio, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Villa-Lobos, Graça Aranha, Guiomar Novaes, Pagu. São oito pilastras e elas vão ter a caricatura de um lado e do outro. E na capa (da exposição) dei a ideia da gente montar como o quadro da Tarsila, Operários, usando todas as caricaturas.

Você me mostrou um Oswald e depois foi aperfeiçoando o desenho. Como é esse processo? É como faziam os próprios pintores da Semana de 1922, que tinham um rascunho…

Nunca estou feliz com o que faço, isso é uma coisa do artista. Porque você está sempre criando, sempre achando que poderia ser melhor. Está sempre pesquisando. Neste caso tive de saber sobre cada um. Por exemplo, a Anita Malfatti, que foi o grande estopim da Semana, porque depois de vir da Europa, em 1917, fez uma exposição aqui (em São Paulo) que chocou todo mundo. O Mário de Andrade, mais o Di Cavalcanti, fizeram a Semana a partir dela. Acho que seria como uma borboleta… Sabe quando você tem uma lagarta que vira borboleta? Na arte aconteceu isso: foi uma coisa totalmente inovadora, chocaram. Aquela exposição da Anita chocou, recebeu críticas, inclusive do Monteiro Lobato, no texto Paranóia ou Mistificação. Antes tinha aquela coisa acadêmica, do renascimento. ‘Se você desenhar um gato tem de ser um gato, não pode ser estilizado’, Lobato dizia. Ele ficou assustado. Eles trouxeram essa influência da França, do espanhol Picasso, essa coisa totalmente doida, diferente, trouxeram para o estilo brasileiro. O Di Cavalcanti, por exemplo, tem desenhos dele que se você olhar, vai ver que ele é o Picasso brasileiro. As cores, a forma, você pega o trabalho do Picasso, é bem parecido. Isso não desvaloriza.

Cada um tem sua característica?

Exatamente. Tem pessoas que copiam tanto que passam a ser um cover do artista. E a arte é criar. É ir além. Esses pintores, Anita, Di Cavalcanti, e Tarsila, foram além. Trouxeram a influência da Europa, beberam daquela influência, mas foram além. A Tarsila colocava as vegetações, os nossos macacos, o tatu, coisas brasileiras. No quadro do Di tem uma mulata, eles fizeram isso. Quando falam assim: ‘se está desenhando igual a fotografia, está desenhando uma foto’. Discordo. ‘Se você desenha um cachorro como ele é, você só tem mais um cachorro’. Não é bem assim, tem a marca do artista, tem o peso da mão, a pincelada. Sei quando é um Leonardo Da Vinci, um Rafael, um Michelangelo. Às vezes a pessoa que copia muito, ou admira demais, ele fica só na sombra.

E você falou dessa questão da Anita, que ela sofreu essas críticas do Monteiro Lobato. Como é para um artista sofrer críticas?

Ela ficou muito abalada. Diz a lenda que ela parou até de desenhar, mudou o estilo. Ela era muito tímida. Uma coisa que estava falando da pesquisa, no caso da Anita, por exemplo, eu não sabia que ela tinha um pequeno defeito na mão. Você tem que saber sobre o personagem, porque vai que faz uma mão… Não conhece o Lula e faz ele com cinco dedos. Sobre a crítica, eu recebi uma em 1986. Trabalhei em uma banca de jornal e gostava muito do Elifas Andreato, as capas de disco que ele fazia, a maneira como ele pintava… Fui trabalhar com ele no jornal Retrato do Brasil. Ele era um dos diretores e meu editor de arte. Pegou uma vez meu desenho, uma caricatura e falou: ‘Nunca vi ninguém distorcer como você faz. Você dá um nó na caricatura’. Nunca mais consegui dar esse nó, porque passou a ser algo matemático. Era algo que eu fazia sem querer e a expressão da arte é isso. É como o cara que copia muito, ele faz a matemática. Por isso que o Picasso desenhava como criança. A criança não tem barreiras. Desenha para agradar ela mesma, não importa se o outro vai gostar. A arte é isso, criar sem barreiras. No caso da Anita foi um baque muito duro, porque quem criticou foi o Monteiro Lobato.

E depois ela seguiu sendo cobrada até pelo Mário de Andrade para que ela voltasse à essência dela, do Homem Amarelo, o mais criticado…

Acho essa coragem que os artistas desta época tiveram demais. Vejo o trabalho do Flávio de Carvalho, por exemplo, não só os nus que ele fazia, mas colocar a cor pura no rosto, o amarelo, o azul, o vermelho. Não tenho essa coragem, sou daltônico (risos). Já tentei, mas não dá, cada um na sua praia. Fico bobo com aquela coisa tão atual, é tão moderno você ver o trabalho dos caras de 1922, as formas, isso até hoje. Hoje está precisando de uma Semana de 1922 de novo, porque a arte é igual uma montanha russa, ela vai e muda. Hoje as pessoas fazem muito parecido com foto, daí tem de olhar a assinatura do cara para saber quem é.

Você falou bastante do Di Cavalcanti e ele tinha o ofício igual ao seu: era ilustrador, chargista. Como avalia a obra dele?

Tem uma caricatura dele que é maravilhosa… É um traço simples e moderno, esse perfil geométrico é fantástico. Ele tinha essa pegada política também, trabalhou em jornal, foi perseguido pelo governo Vargas.

De que forma os modernistas influenciaram sua carreira?

Não costumo olhar muito, sou meio autodidata. Quando trabalhava na banca de jornal, dizia que era meu Google da época. Para passar o tempo, ficava desenhando as pessoas e lendo tudo que aparecia. A minha primeira exposição – a primeira vez a gente não esquece – encontrei aqui um desenho dela, de 1979, da Janete Clair, novelista. E vejo que daquela época tem coisas que ainda faço, não mudou. Fiz também uma caricatura de uma professora minha e ela ficou muito brava: ‘eu tenho espelho na minha casa’, ela disse. Coloquei na exposição e fez o maior sucesso, todo mundo a conhecia. Aí ela foi na banca de jornal e queria comprar a caricatura. Eu disse: ‘não é a senhora’ (risos). Esse negócio da crítica você tem de ter uma autoavaliação muito forte. No segundo ano primário, na aula de artes, era para fazer um desenho livre. Fiz uma pera, ficou a coisa mais linda na minha concepção. Daí entreguei e a professora mostrou para a classe e eu pensei: ‘puxa, ela vai elogiar’. Ela desceu o pau. ‘Parece que está voando a pera, não tem uma sombra apoiando’. E eu empolgado com a forma que consegui e pensei: ‘ela não entendeu nada’. Nunca mais coloquei sombra no desenho, peguei trauma.

Qual foi o maior legado que os modernistas deixaram na arte brasileira?

Essa transformação, a nova visão da arte. Quebrou a coisa certinha, de representar o real. Foi uma revolução, que até hoje é moderna. Faz 100 anos que é moderno. É como ler Machado de Assis e perceber como o cara é atual. E a arte é isso, é mexer com você. É essa coragem deles de transformar. Depois que passa um tempo você percebe que aconteceu aquilo. Na hora pode receber críticas… Como Van Gogh, que não conseguia vender as artes dele e depois perceberam quem ele era. Quanto mais o tempo vai passando, vai ficando mais moderno. Olho as cores do Di Cavalcanti fico maravilhado, com a mistura, a harmonia. É fantástico.

Entrevista feita por Miriam Gimenes para o site Agenda Tarsila - https://agendatarsila.com.br/

Serviço

Exposição Pilares de 22

Pavilhão da Criatividade Darcy Ribeiro / Praça da Sombra

Avenida Mário de Andrade, 664 – Barra Funda, São Paulo, capital

Visitação: de terça a domingo, das 10 h às 17 h. Entrada gratuita (acesso pelos portões 8 e 9).

Foto da abertura obtida no site Agenda Tarsila