Autor:
Redação
Seção:
Memória
Publicado em:
6 de Fevereiro de 2024
Tempo de leitura:
6 minutos
Imagem do cartaz do Instituto Henfil para promover a live realizada no dia 5 em homenagem ao cartunista.
O espírito crítico do Henfil continua entre nós
Por: Redação
Henrique Souza Filho, o Henfil, nasceu no dia 5 de fevereiro de 1944 em Ribeirão das Neves (MG) morreu no dia 4 de janeiro de 1988 no Rio de Janeiro. Olhando estas datas se pode imaginar uma carreira relativamente curta e de pouca influência no meio do humor gráfico. Terrível engano,
Um dos maiores cartunista brasileiro, Henfil foi jornalista e escritor, criador de personagens inesquecíveis; os frades Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino e Ubaldo, o paranoico. Todos se tornaram símbolos da arte do cartum e da resistência política contra a ditadura em pleno processo de mobilização popular pela reconquista democrática.
Mensagem do Instituto Henfil
Com sentimento de forte presença o Instituto Henfil celebra os 80 anos de Henrique de Souza (Henfil) lembrando do seu humor único na história da arte gráfica e no ativismo político.
Seus personagens inesquecíveis traduziram em riso o grito sufocado do povo brasileiro pela democracia e a história da complexidade social e política do nosso país foi registrada com maestria.
Henfil inspirou uma geração de artistas a expressar-se sem medo, usando a sátira como ferramenta poderosa de crítica e reflexão.
Parabéns Henfil!!!
Você nos convoca ainda a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária!
- Veja o Facebook oficial do Henfil AQUI:
O artista era hemofílico e foi vítima da Aids, doença contraída por transfusão de sangue contaminado, em uma época que as pesquisas sobre o vírus davam os primeiros passos. Seus dois irmãos, Herbert de Sousa, o Betinho, e Francisco Mário também morreram de Aids (suas irmãs não sofriam da mesma doença que é raríssima em mulheres).
Depoimento de Nilson Adelino para a Revista Pirralha
Em qualquer situação tensa que uma pessoa normal fugiria ele crescia, encarava de frente e se tornava gigante. Mas a Hemofilia, quando o atacava conseguia quase paralisá-lo. Não era frequente e ele não dava o braço a torcer. Fazia tudo para não ceder a ela, Betinho e Chico Mário tinham uma atitude completamente diferente.
Tinha sempre frascos de Crioglobulina na geladeira para usar em forma de injeção no caso de alguma crise, mas em mais de dois anos só o vi usar duas vezes e a única pessoa que ele deixava aplicar era o Humberto Pereira ex monge, o Fradinho Cumprido da vida real. A mulher do Humberto era médica mas ele exigia que fosse o Humberto.
Um dia pintou uma crise braba; artrite e artrose nos joelhos nos punhos e nos cotovelos. Ele não conseguia desenhar, ficava andando para lá e para cá com cara de dor total, os apelos meus, do Maurício Maia, da sobrinha dele, Rossana, que era a sua secretaria e até mesmo da namorada dele a Lucinha eram inúteis. Ele não deixava chamar um médico sem ouvi o Humberto e ficava zangado se a gente insistisse.
Então ficamos só eu e ele no apartamento, o que eu podia fazer? eu sentado a postos no sofá e ele andando para lá e para cá com as mãos nos cotovelos e com cara de dor; de repente ele olha para mim com aquela cara de Fradim igual ao desenho e dispara a cantar a música do Luiz Gonzaga: minha vida e andar por esse país....caímos na gargalhada!
Depois disso, já era o terceiro dia de dor, ele chamou o Humberto.
A revista Pirralha, que tem entre seus colaboradores desenhistas que conviveram com Henfil – e tantos outros que o admiram – não poderia deixar de homenagear este autor importantíssimo para a cultura brasileira ´por ocasião dos 80 anos de seu nascimento.
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Um chargista sindical
Por Bira Dantas
Henfil faria 80 anos se estivesse entre nós. Ele marcou a história do Humor brasileiro por sua ousadia política, modernidade gráfica, compromisso com a democracia, movimentos sociais e principalmente... contra a ditadura militar de 64. Nem a hemofilia o acovardou em seu enfrentamento contra a ditadura, com questionamentos ácidos através de seus personagens. Conheci seu traço assim que abri o primeiro Pasquim. Em 1980, quando comecei a fazer charges sindicais, aquele traço rápido, caligráfico, nervoso era uma excelente inspiração... além de combativo, corrosivo e anárquico!
Eu sonhava fazer charge pra classe trabalhadora que fazia crescer o bolo que Delfim Neto prometia dividir num dia que nunca chegou. Depois de ter uma HQ censurada no gibi Os Trapalhões, larguei tudo e me joguei, como militante, no movimento sindical onde Henfil tinha trabalhado. Fiz charges pra Oposição Metalúrgica de SP, Oposição Sindical dos Químicos, Oposição da Construção Civil... Era o tempo de reconstruir sindicatos representativos depois de décadas de intervenções e peleguismo promovidos pelos militares que deram o golpe em 1964. Assim, em 1982 fui contratado como chargista do Sindiluta, boletim diário do Sindicato dos Químicos e Farmacêuticos de SP.
Nessa época, ao chegar numa reunião-plenária de comunicação popular, vejo uma multidão aglomerada na entrada. No meio de um empurra-empurra, eis que dou de cara com ninguém mais, ninguém menos que... Henfil! Eu só consegui me aproximar e gritar:
- Henfil! Sou o Bira, sou chargista sindical, quero ser igual a você!
E ele com um baita sorriso:
- Tá no caminho certo, sô! O movimento precisa de mais chargistas comprometidos…
... e fomos cada um numa direção. E fiquei sem saber. Comprometidos com os trabalhadores? Com o Partido? Com a Ética? Com o Humor Político? Quem saberá?
Mas é fato que estou nessa estrada há 42 anos.
Obrigado, Henfil.
Encontros pela vida afora
Por Crau do Bicho
Lá na rua Saint Roman, onde ficava a redação do Bicho, eu via o Henfil com certa regularidade: quando ele entrava quieto e saia calado para usar a Xerox; no lanchinho da tarde, de pão com mortadela e café com leite com toda a patota na cozinha daquele lindo sobrado e na escada interna, eu descendo, ele subindo ou vice-versa. Um dia me encarou. Estupefata, mergulhei naqueles olhos perscrutantes. Ele: “Tá assustada?” Eu disse um tímido não e subi a escada correndo, o coração aos pulos.
Anos depois estivemos juntos na colônia de férias dos metalúrgicos na Praia Grande, Laerte tinha me convidado para um encontro dos cartunistas com sindicalistas. No primeiro dia eram Angeli, Laerte, Serjão e eu. Dormimos lá. No outro chegaram Leon Hirzman, Fortuna, Pelicano e, creio, o Glauco. O Henfil, disseram que tinha tido um acidente e precisou de transfusão, por isso estava demorando, mas chegou mais tarde com uma bengalinha no pátio da colônia. Acho que tinha vindo junto com o Paulo Caruso. Conversamos todos numa sala com o Medeiros, o Vicentinho e o Joaquinzão. Os colegas iam me dando o serviço; quem era comprometido, quem era pelego e tal. Depois fomos à praia e o Pelicano desenhou a minha sombra na areia.
O terceiro contato com Henfil foi num Salão de Piracicaba, numa homenagem e palestra do Nássara. Henfil se sentou ao meu lado. Perguntou como eu estava. Perguntei como tinha sido a viagem a China. Ele levantou as sobrancelhas. - Foi bom, muito bom. Ficou de me contar mais tarde...