Uso de IA por plataformas preocupa autores

Autor:
Redação

Seção:
Noticiário geral

Publicado em:
25 de Outubro de 2024

Tempo de leitura:
7 minutos

Autores teatrais redigem manifesto em protesto contra o uso de suas obras pelas plataformas digitais (foto: Teatro São Pedro, Porto Alegre, RS; divulgação)

Uso de IA por plataformas preocupa autores

Por: Redação

A Revista Pirralha recebeu da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) a Carta Manifesto Contra o Uso Indevido de Obras Intelectuais por Plataformas de Inteligências Artificiais na qual a entidade se posiciona frente ao desrespeito das empresas digitais aos mais básicos princípios da lei brasileira de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) quando se trata de alimentar os seus programas de Inteligência Artificial.

Os ilustradores em geral, incluindo chargistas, cartunistas, quadrinhistas e caricaturistas, certamente estão entre os grandes prejudicados pelo uso indiscriminado da IA que, pela falta absoluta de regulamentação, precariza o trabalho destes profissionais. A Revista Pirralha apoia a iniciativa da SBAT que conclama artistas e sociedade “a se unirem em defesa de uma cultura justa, que respeite a criação e os direitos daqueles que dedicam suas vidas à produção de arte e conhecimento”.

“A proteção dos direitos autorais é um compromisso de todos nós, que valorizamos a diversidade cultural e o desenvolvimento intelectual do país. Somente com o apoio coletivo conseguiremos garantir que as vozes dos criadores não sejam silenciadas ou exploradas injustamente pelas grandes corporações tecnológicas.”

Trecho da carta escrita pela SBAT

A SBAT surge em 1917 por iniciativa dos autores brasileiros com o objetivo de atuar na defesa dos seus direitos autorais. Dada as circunstâncias da época, na ausência dos modernos meios de comunicação e divulgação como o rádio e a TV, era em torno do teatro que os autores brasileiros se reuniam, congregando artistas e intelectuais. A compositora Chiquinha Gonzaga é uma das fundadoras e o primeiro presidente da sociedade foi o jornalista e escritor João do Rio, autor homenageado na Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano.

Esta característica fez com que os cartunistas também ingressassem na SBAT; a sessão inaugural da entidade, ocorrida na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), contou com a presença do mais importante chargista da época, Raul Pederneiras. Em 2004, quando a entidade iniciou um processo de renovação após um período de crise, a diretoria que manteve viva a instituição contava com Millôr Fernandes e Ziraldo. Sem falar que nomes ligados ao humor como Dercy Gonçalves e Chico Anísio também pertenceram ao quadro associativo.

A partir dos anos 40, compositores e músicos formaram suas próprias associações de direitos autorais e deixaram a SBAT, mas os chargistas cartunistas e ilustradores simplesmente se afastaram e hoje não contam com nenhuma entidade para representar seus interesses na área do direito autoral, o que vem se mostrando cada vez mais necessário.

A íntegra do comunicado

À comunidade artística, às autoridades governamentais e à sociedade civil

A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) e seus associados vêm, por meio desta carta, manifestar profunda preocupação e indignação com o uso crescente e indiscriminado de obras intelectuais por grandes plataformas tecnológicas, as chamadas Big Techs, para o treinamento de modelos de inteligência artificial (IA). Esta prática desrespeita os direitos fundamentais de autores e demais criadores, afetando diretamente a integridade de suas criações e a proteção legal de suas obras.

As postagens de conteúdos originais dos autores nas redes sociais não podem e não devem pressupor concessão automática ao uso e/ou aperfeiçoamento de inteligências artificiais. Tendo em vista os termos de serviço apresentados por diversas plataformas digitais, que obrigam os criadores a cederem seus direitos autorais de forma automática ao utilizarem essas plataformas, a SBAT e seus associados protestam veementemente contra essa prática. Manifestamos nossa indignação diante desse abuso que impõe aos criadores a renúncia forçada de seus direitos, desrespeitando sua autonomia sobre o uso e a gestão de suas obras intelectuais.

O avanço da inteligência artificial e das tecnologias de processamento de dados tem trazido mudanças profundas no cenário artístico e cultural. No entanto, essas inovações tecnológicas não podem servir de justificativa para o descaso com os direitos de quem cria, inova e contribui para o patrimônio cultural e intelectual do país. A utilização de obras protegidas por direitos autorais para alimentar sistemas de IA, sem a devida autorização e remuneração dos titulares de direitos, representa uma afronta à Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei nº 9.610/98), que assegura o direito exclusivo dos autores e demais criadores de permitir ou não o uso de suas criações, além de garantir o pagamento de retribuições justas pelo uso dessas obras.

Nosso direito à proteção intelectual é um direito fundamental, garantido pela Constituição Federal, que reconhece o papel dos autores e demais criadores como pilares do desenvolvimento cultural e científico. Quando plataformas de alcance global utilizam, sem consentimento, textos teatrais, roteiros, diálogos, personagens e outros elementos da obra dramática para treinar suas inteligências artificiais, estamos diante de uma grave violação de direitos. A Lei de Direitos Autorais, em seu artigo 68, é clara ao exigir autorização prévia para qualquer utilização pública das obras, inclusive em plataformas digitais.

As Big Techs, ao não respeitarem essa legislação, criam um ambiente de desvalorização do trabalho criativo, enfraquecendo a posição dos autores e enfraquecendo o próprio ecossistema cultural. Essas empresas, ao usarem criações artísticas para alimentar suas tecnologias de IA, retiram dos autores e demais criadores a possibilidade de participar das decisões sobre o uso de suas obras, além de negar-lhes a justa remuneração pelo uso econômico dessas criações. Trata-se de um novo capítulo de marginalização e precarização do trabalho artístico, agora no ambiente digital.

A decisão do Despacho Decisório n° 33/2024/PR/ANPD, que impôs medida preventiva à Meta Platforms (Facebook, Instagram e WhatsApp), INC sobre o uso de dados pessoais para treinamento de IA, revela o risco de diversas violações à Lei de Direitos Autorais brasileira. Entre elas, destacam-se a utilização de conteúdos protegidos sem autorização prévia, a violação da independência de modalidades de uso autorizadas, e a criação de obras derivadas sem consentimento dos autores. Além de fragilizar os direitos garantidos aos titulares, essas práticas podem incorrer em ilícitos civis e penais, conforme os artigos 102 e 104 da LDA. A SBAT, portanto, reforça a necessidade de revisão dessa decisão para garantir a proteção dos direitos autorais frente ao avanço das tecnologias de IA.

A SBAT, enquanto entidade histórica na defesa dos direitos dos autores teatrais, reforça a necessidade de um debate urgente sobre o impacto da inteligência artificial nas artes e na propriedade intelectual. É fundamental que o Brasil, por meio da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Ministério da Cultura e demais órgãos competentes, atue para garantir que a aplicação de novas tecnologias não resulte em um desrespeito à legislação nacional e internacional sobre direitos autorais.

Exigimos que as plataformas digitais respeitem os direitos dos criadores e que se estabeleçam mecanismos claros de autorização e remuneração para o uso de obras intelectuais. A transparência e o consentimento dos titulares devem ser centrais no desenvolvimento dessas tecnologias.

A cultura e a arte não são meros insumos para o desenvolvimento de sistemas tecnológicos. São expressões da identidade humana, fruto do trabalho, da paixão e do talento de incontáveis autores que, ao longo da história, contribuíram para a formação do patrimônio cultural da humanidade. Exigimos respeito à nossa contribuição e à preservação de nossos direitos.

Assim, conclamamos não apenas nossos autores e autoridades, mas também toda a sociedade, a se unirem em defesa de uma cultura justa, que respeite a criação e os direitos daqueles que dedicam suas vidas à produção de arte e conhecimento. A proteção dos direitos autorais é um compromisso de todos nós, que valorizamos a diversidade cultural e o desenvolvimento intelectual do país. Somente com o apoio coletivo conseguiremos garantir que as vozes dos criadores não sejam silenciadas ou exploradas injustamente pelas grandes corporações tecnológicas.

Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT)

Brasil, 18 de outubro de 2024.