Autor:
Guto Camargo
Seção:
Ponto de vista
Publicado em:
15 de Fevereiro de 2023
Tempo de leitura:
5 minutos
Charge de Rick McKee feita com o auxílio de um programa de inteligência artificial
Fazendo charges com inteligência artificial
Por: Guto Camargo
O desenhista Rick McKee (foto ao lado), do The Augusta Chronicle, resolveu fazer uma experiência sobre o uso da Inteligência Artificial (IA) na criação de uma charge utilizando o programa MidJourney e produziu a obra “A caixa de Pandora da IA”. Na charge, reproduzida acima, um homem desatento se pergunta ao ler o jornal: mas que diabo é esta Caixa de Pandora (a caixa onde os deuses, segundo a mitologia grega, guardavam as desgraças do mundo), No dia 13 de fevereiro o artista usou sua página pessoal no Facebook para descrever o processo de trabalho.
"Depois de muitas tentativas fracassadas e muitos ajustes, finalmente consegui algo que representava o que eu buscava e que era parecido ao meu estilo. (Eu não mencionei nenhum estilo particular, ou sequer o meu próprio. Eu simplesmente pedi 'comic art style'"
Ao término da postagem o artista conclui: “Acho que esta é a primeira vez que isto é feito. Não tenho intenção de usá-lo novamente em meus cartuns. Eu prefiro criar minha própria arte”. Para que o leitor possa ter uma noção mais completa do processo usado Rick McKee incluiu na postagem a imagem que foi gerada pelo computador a qual ele “retrabalhou” até chegar à charge final.
Imagem gerada por IA que serviu de base para a arte final da charge de Rick McKee
O site especializado em cartuns, The Daily Cartoonist, ao fazer uma reportagem sobre a experiência termina o texto com uma pergunta; O desenho criado pela IA antes da intervenção artística física de Rick McKee seria de domínio público? O cartunista. Jason Chatfield, presidente da The National Cartoonists Societ utilizou a seção de comentários do site para responder
"A National Cartoonists Society valoriza o trabalho árduo e a habilidade necessária para criar arte original. Os direitos autorais do trabalho de nossos membros devem ser protegidos ao máximo e nos opomos a qualquer tentativa de diminuir estas proteções. O NCS incentiva o uso das novas tecnologias e maneiras que permitam aos nossos membros criem seus trabalhos. No entanto, nos opomos ao uso comercial de imagens geradas por IA que foram treinadas usando obras protegidas por direitos autorais e não permitiremos que uma arte criada artificialmente seja usada para justificar a associação, nem apresentada em qualquer categoria de nossos prêmios."
O próprio autor da ilustração foi cauteloso e publicou sua charge acompanhado do crédito "© (?) Rick McKee" (observe o ponto de interrogação após o aviso de direitos autorais), o que reflete o debate atual sobre a quem pertence a criação de uma obra gerada diretamente por um software de computador. Neste momento em que a tecnologia da IA avança sobre áreas da produção de textos e imagens fica claro o impacto que ela pode causar sobre o trabalho, o direito e a renda dos artistas se refletindo também no campo jurídico.
A questão legal
Em que pese as diferenças entre a legislação do copyright norte-americano e a lei de direito autoral brasileira (Lei 9610/98) o princípio é o mesmo; proteger o direito do criador garantindo a propriedade e o uso de sua obra. (1)
Nos EUA, para fazer valer todos os seus direitos, o autor deve registrar sua obra no escritório de direitos autorais (Copyright Office) do governo (obviamente não há espaço aqui para nenhuma análise comparativa entre as legislações, mas a principal diferença é que nos EUA empresas e organizações podem ser detentoras do copyright enquanto no Brasil autor é exclusivamente uma pessoa física).
Até o momento, o Copyright Office avisa que “se recusará a registrar uma reivindicação se comprovar que a obra não foi criada por um ser humano” e que excluiria trabalhos “produzidos por máquina ou mero processo mecânico que opera de forma aleatória ou automática sem qualquer contribuição criativa ou intervenção de um autor humano”.
O Center for Art Law, uma organização sem fins lucrativos que realiza pesquisa e educação no campo do direito da arte voltado principalmente para artistas e advogados, após analisar os termos do contrato de uso do programa DALL.E 2 de criação de imagens por IA, apresenta uma conclusão que pode servir de base para ampliar o debate geral sobre a arte criada por IA
“Em última análise, são os humanos que tomam a decisão final de usar a arte gerada por uma máquina (para ilustrar seus artigos, por exemplo); portanto, a AI claramente não pode conceder permissão para uso do trabalho ou deter os direitos autorais do mesmo. (...) Se houver uma contribuição substancial de uma equipe ou de uma pessoa que forneceu contribuições criativas importantes o suficiente para o resultado final do trabalho, eles poderiam possuir os direitos autorais do trabalho. Se o design, no entanto, foi significativamente atribuído principalmente à IA ou ao programa, o trabalho provavelmente não seria protegido por direitos autorais e possivelmente pertenceria ao domínio público.”(2)
O artigo, portanto, aponta para uma conclusão que vem sendo aventada informalmente por vários interessados e estudiosos do assunto; a de que as obras criadas por IA seriam automaticamente consideradas de domínio público, portanto, de uso livre. Obviamente a questão não está pacificada e a palavra final será alvo do escrutínio dos artistas, da sociedade em geral e de legislação específica. Aguardemos o aprofundar deste debate também aqui no Brasil.
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REFERÊNCIAS
(1) Para informação sobre a lei norte-americana ver https://www.copyright.gov/
(2) Atreya Mathur em Art-istic or Art-ificial? Ownership and copyright concerns in AI-generated artwork (Preocupações com a propriedade e os direitos autorais em obras de arte geradas por IA ) publicado em: https://itsartlaw.org/2022/11/21/artistic-or-artificial-ai/#post-5406-footnote-ref-17
As imagens apresentadas foram obtidas no site do artista - https://www.facebook.com/rick.mckee