Autor:
Guto Camargo
Seção:
Desenhistas
Publicado em:
1 de Maio de 2022
Tempo de leitura:
8 minutos
Neal Adams: um ativista dos quadrinhos
Por: Guto Camargo
Neal Adams, que morreu aos 80 anos em 28 de abril de 2022, é reconhecido internacionalmente como um dos grandes desenhistas de histórias em quadrinhos. A esposa do artista, Marilyn Adams, disse ao The Hollywood Reporter que seu marido morreu por complicações da sepse (doença causada por uma infecção que se espalha por todo o corpo). O quadrinhista nasceu em 15 de junho de 1941 em Nova York, estudou na School of Industrial Art em Manhattan, graduando-se em 1959, fez publicidade, atuou em várias editoras (na Charlton Comics chegou a usar o pseudônimo - um tanto extravagante - de Sergius o" Shaugnessy), ilustrou tiras para jornais (muitas como assistente), fez algumas histórias de terror mas sua carreira começou realmente a decolar na DC Comics quando assumiu Deadman (Desafiador no Brasil) em outubro de 1967, Nesta época os heróis tradicionais da DC perdiam espaço para os novos da Marvel e Carmine Infantino, que havia reinventado o Flash em 1956, agora era editor chefe da DC com a missão de revitalizar toda a linha de super-heróis e contratar Neal Adams foi uma de suas primeiras atitudes.
Adams chega à década de 1970 com a reputação consolidada como um dos maiores nomes da indústria dos quadrinhos e, com esta fama, procura Stan Lee na Marvel e se propõe a assumir a revista dos X-Mem que seria fechada devido a baixa vendagem. O primeiro gibi onde aparece seu nome nos créditos é o X-Mem nº 56 (maio de 1969), ele também chega a desenhar os Vingadores. Paralelamente a isto assume na DC a arte da dupla Lanterna Verde e Arqueiro Verde, que se não foi o grande sucesso de vendas esperado, foi rapidamente cancelado mas virou cult com a arte sofisticada de os roteiros realistas, escritos por Dennis O'Neil, que abordavam racismo, drogas, meio ambiente, enfim, incorporando às tramas heroicas as preocupações cotidianas que afloravam no início dos anos de 1970. (Guedes, sd)
Chega então o momento que para muitos representa o ápice da sua carreira de quadrinhista quando passa a desenhar o Batmam. A segunda metade da década de 1960, após 3 temporadas (janeiro de 1966 - março de 1968) e 120 episódios, a série de TV do Batman havia transformado o herói praticamente em um personagem infantil e a DC resolve recupera a atmosfera de mistério que havia quando Bob Kane (roteiro) e Bill Finger (arte) criaram o personagem em 1939. Para isto ela escala em 1971 a dupla Adans e O'Neil que realiza um trabalho admirado até hoje.
Graças ao grande sucesso obtido Neal Adams se une a outro grande desenhista de quadrinhos, Dick Giordano para fundar a Continuity Associates, que mais que um estúdio de HQ evolui para um grande prestador de serviço para agências de publicidade e cinema fazendo storyboards. Esta parte da carreira de Neal Adams é sempre lembrada quando se referem a ele, mas poucos sabem do papel central que ocupou na batalha pelo reconhecimento dos artistas de quadrinhos pelas editoras.
A luta pelo direito dos artistas
Quando passou a publicar, ao mesmo tempo na Marvel e na DC Neal Adams quebrou uma das amarras que impedia que um artista trabalha-se para as duas editoras ao mesmo tempo assinando abertamente seus desenhos. Ao usar seu sucesso para quebrar a resistência tanto de Stan Lee quanto a de Carmine Infantino, Adams liberou os freelancers pois, até então, eles eram obrigados a apelar ao recurso de usar um nome falso.
Inspirada na Academia de Cinema de Artes e Ciências (Motion Picture Academy of Arts & Sciences) que organiza o Oscar, Carmine Infantino, Stan Lee e Neal Adans criam em 1970 a Academy of Comic Book Arts (ACBA), com o objetivo de premiar, e divulgar, a indústria dos quadrinhos com o troféu Shazan, uma experiência que dura poucos anos, Stan Lee afirma que a ideia foi sua "Eu sabia que havia muitas celebridades que gostavam de histórias em quadrinhos, e isso é tudo o que se precisa para conseguir algo na televisão - conseguir que este ator ou atriz sirvam como mestre de cerimônias. Assim, eu a formei e no início fomos bem sucedidos para além dos meus sonhos mais loucos, porque todas as empresas aderiram e praticamente todos os escritores e artistas também".
No entanto, desde o início, Stan Lee e ,Neal Adams se desentenderam sobre o real objetivo da iniciativa, para Stan Lee o problema era que "Neal Adams, cujo trabalho eu respeito muito - ele é um dos gênios do negócio - quis transformar a maldita coisa num sindicato. Nas reuniões, Neal se levantava e começava a falar de aumentos salariais, benefícios e propriedade para os artistas. (...) Se Neal queria formar um sindicato, devia ir em frente e fazê-lo, mas o objetivo da ACBA era dar prestígio à nossa indústria, não discutir o fato de os artistas não terem propriedade ou coisas desse gênero. Nunca consegui convencê-lo, e a ACBA ficou dividida em dois campos. Não estava interessado em iniciar um sindicato, por isso afastei-me. Neal foi eleito presidente, mas não durou muito. A coisa toda desmoronou". (1)
A entidade acabou sendo fechada em 1975 quando Neal Adams estava na presidência mas chegou a realizar quatro premiações de melhores do ano. (2)
O caso do Super-Homem
Em 1975 a máquina de propaganda de Hollywood já alardeava que estava sendo planejado a realização de um novo filme sobre o Super-Homem, Tratava-se de uma superprodução com artistas consagrados, diretor experiente, roteiro de Mario Puzo e, obviamente, um orçamento grandioso (Superman The Movie, foi lançado em 1978 pela Warner Bros). Nesta época, Jerry Siegal (roteirista) e Joe Shuster (desenhista), os criadores do super-herói mais famoso do mundo viviam praticamente na miséria. Jerry trabalhava nos correios e Joe desempregado e praticamente cego vivia de favor na casa do irmão. Esta não seria a primeira vez que ficavam de fora da repartição de lucros que a sua criação gerava, foi assim em programas de rádio, nos seriados para cinema e na série de TV da década de 1950.
Isto ocorreu pois os criadores, em 1038, ao publicar o trabalho venderam os direitos autorais para a National Comics (que depois daria origem a DC Comics) e fizeram um contrato de exclusividade por 10 anos. Quando o contrato estava para expirar a dupla tentou recuperar na justiça os direitos autorais mas a decisão do tribunal, em maio de 1948, foi favorável `a empresa e Jerry Siegal e Joe Shuster foram afastados da editora, não mais conseguem se recolocar na indústria dos quadrinhos e começam seus problemas financeiros.
A partir de seu drama pessoal Siegel escreve, em abril de 1975, uma longa carta que é ao mesmo tempo uma denúncia e um pedido de ajuda, tira mil cópias e as envia para meios de comunicação, fanzines e entidades. A carta chega ao conhecimento de Neal Adams, o maior nome da DC que, após a leitura comunica aos colegas; “Pessoal, qualquer um no estúdio que quiser ler esta carta pode ler. Mas vou cuidar para que isso seja consertado, e não vou parar até que isso aconteça. Então, se algum de vocês quiser me ajudar, eu agradeço”. (3)
Ao mesmo tempo, Jerry Robinson, que havia sido presidente da National Cartoonists Society (NCS) entre 1967-69 também se dispõe a colaborar com Adams na empreitada e consegue apoio da entidade e assim começa um movimento nacional não só de quadrinhistas, mas também de outras pessoas ligadas ao mundo das artes (o escritor Norman Mailer foi um dos que apoiaram a causa) que termina em dezembro de 1975 com a assinatura de um acordo que previa o pagamento de 20 mil dólares anuais corrigidos pela inflação a cada um e crédito em todo o material impresso, cinema e TV. A partir de então, o status dos criadores de quadrinhos ganha nova dimensão na indústria e, coincidência ou não, a National muda de nome e passa a se chamar DC.
(1) Depoimento de Stan Lee retirado da internet em: https://www.twomorrows.com/comicbookartist/articles/02stanroy.html (tradução livre pelo autor)
(2) Veja mais sobre a ACBA e sua premiação em: http://www.hahnlibrary.net/comics/awards/shazam.php
(3) Depoimento de Neal Adams retirado da internet em: https://tripwiremagazine.co.uk/headlines/neal-adams-talks-siegel-shusters-superman-battles-kirkmans-secret-history-comics/ (tradução livre pelo autor)
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Foto de abertura: Neal Adams na Comic Com 2007, San Diego por Simon Ladesma (uso autorizado - https://www.flickr.com/photos/sladesma/albums/72157601366678211 )
Fontes:
JONES, Gerard..Homens do amanhã; geeks, gângsteres e o nascimento dos gibis. Conrad, 2006.
TUCKER, Reed. Pancadaria, por dentro do épico conflito Marvel vs. DC. Editora Rocco - selo Fábrica 231, 2018.
GUEDES, Roberto, Quatro nomes e uma lenda in Lanterna Verde e Arqueiro Verde. sem destino. Opera Gráfica, sem data