O Saci Pererê em defesa da cultura nacional

Autor:
Redação

Seção:
Noticiário geral

Publicado em:
5 de Novembro de 2024

Tempo de leitura:
5 minutos

Imãs de geladeira com a figura do Saci, produzidos por Maurício Cintrão, que usa o folclore em seus trabalhos no @cintraodasartes

O Saci Pererê em defesa da cultura nacional

Por: Redação

Nei Lima


Ykenga

Os mais velhos devem se lembrar que não se lembram de comemorar o Halloweem durante suas infâncias. E não se lembram simplesmente por que não existia Raluim no Brasil. Claro que a gente sabia da sua existência, afinal assistíamos aos filmes, aos seriados na TV e líamos os quadrinhos (a grande abóbora…) made in USA, mas era apenas uma curiosidade exótica de povos estranhos à nossa cultura. Aliás, estas festividades, como outras de orientação católica, tem origens profundas em celebrações pagãs, o que ajuda a entender um pouco a sua popularidade para além da questão religiosa..

“O Saci é a figura mitológica mais popular do Brasil, surgiu no sul do país na fronteira com a Argentina e o Paraguai, um gozador que apronta muitas traquinagens, brincadeiras. Um menino indígena guarani que tirava as pessoas da floresta, as pessoas perdidas, foi transformado em negro e recebeu elementos de cultura europeia. Com sua presença queremos combater o imperialismo cultural, que é tão nefasto quanto o imperialismo econômico.”

Mouzar Benedito, jornalista e integrante da Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci)

Mas tudo mudou nas últimas décadas. Na tradição brasileira, de origem católica portuguesa, o 31 de outubro é o Dia de Finados, quando pranteamos nossos mortos e nos preparamos para o 1º de novembro, Dia de Todos os Santos, que, inclusive, é feriado em vários municípios do país. Pelo menos assim era até o Raluim ser introduzido no Brasil há poucas décadas. Alguns atribuem este fato às escolas de inglês que incorporaram a celebração em seu calendário e dai ele migrou para o comércio em geral, pois o Raluim brasileiro é um fenômeno fabricado pelo marketing e plantado no terreno fértil da mentalidade colonizada de grande parte da nossa classe média.

“Eu curti muito o Pererê nos meus 8 anos. Precisamente em 1964. Mas um dos meus pais (talvez minha mãe, bibliotecária) disse que a gente aprendia a falar errado e desaconselhava a compra. Que lástima! Eu lembro que cismava com a noção de gravidade no desenho do Ziraldo, quando o Saci saía caminhando (e não pulando!) ao lado do Tininim. Nesta época, além do Pererê, de Luluzinha e Bolinha -- que eu também adorava -- dentre as revistas de tamanho maior (tablóide dobrado) tinha o Gasparzinho e outras americanas, como Bolota, Riquinho, meio plágio de Lulu & Bolinha, e cheias de estereótipos, que eu comprava só para não ficar sem ter o que ler na semana.”

Crau, quadrinhista

A reação a esta dominação cultural/comercial se deu com a criação do Dia do Saci, um dos personagens mais conhecidos do folclore brasileiro, não por acaso celebrado no mesmo 31 de outubro, data reconhecida inicialmente no Estado de São Paulo através da lei nº 11.669 de 2004 do deputado Afonso Lobato (PV) e a nível nacional pela lei nº 2.479 de 2013 da deputada federal Angela Guadagnin (PT/SP). Mas a criação deste dia já havia sido proposta em 2003 pelo deputado Aldo Rebelo (então no PCdoB) em projeto arquivado. A data, portanto, é fruto de uma ampla mobilização da sociedade em defesa da cultura brasileira onde se destaca a Sosaci –Sociedade dos Observadores de Saci, de São Luis do Paraitinga, no Vale do Paraíba, aliás, local de origem da proponente da lei nacional, Angela Guadagnin.

“Quando a Abril relançou A Turma do Pererê, em 1975, eu tinha 12 anos e fiquei maravilhado pelos desenhos de Ziraldo. Percebi os enquadramentos dinâmicos dos quadrinhos, diferentes daqueles mais formais das HQs da Disney. Lia e gostava das histórias desenhadas por Carl Barks, algumas dos anos 1940,mas as HQs do Pererê me pareceram diferentes. Eram mais modernos. Viva Ziraldo!”

Cláudio de Oliveira, cartunista da Folha de S. Paulo

O Saci, deste modo, tem uma ampla folha de serviços prestados à cultura nacional. Desde os livros de Monteiro Lobato até os quadrinhos do Ziraldo, passando por programas de TV, pelas músicas infantis e pelo cinema, onde estreou em um filme dirigido por Rodolfo Nanni em1953. Portanto, vamos festejar o Saci Pererê, o grande mito nacional e popular.


Marcos Venceslau


Thiago Lucas

Bem vindo a casa dos mitos brasileiros

A Sociedade dos Observadores de Saci (Sosaci) é uma Organização Não Capitalista (ONC), nasceu de um bate-papo entre uma dúzia de amigos que escolheram a cidade de São Luiz do Paraitinga como sede, foi fundada em julho de 2003 e se expandiu em ritmo de redemoinho, ganhando os meios de comunicação, se alastrando por vários estados e sendo reconhecida inclusive no exterior. A Sosaci reúne pessoas interessadas em valorizar nossos mitos e lendas e também em difundir a tradição oral.

A divulgação dos mitos brasileiros é parte de um esforço para fazer frente aos estrangeirismos que corroem o imaginário de nossas crianças e surrupiam nossa identidade. Escolhemos o dia 31 de Outubro como o Dia Nacional do Saci e Seus Amigos, como data símbolo para divulgar e comemorar os feitos do insigne perneta e seus amigos.

A Sosaci a partir do seu lançamento vem estudando e publicando materiais relacionado a estes mitos e à cultura caipira, num ato de resistência, sempre com bom humor e com maior carinho e atenção ao público infantil.

“Acreditamos no Saci, na Iara, no Curupira, na Cuca, no Boitatá e demais entes da mitologia brasílica. A Sosaci reivindica reciprocidade no intercâmbio cultural entre os povos do mundo globalizado. Convida todos os cidadãos da comunidade planetária a participar de suas artes e partilhar de seus sonhos. Acreditamos que a valorização da cultura é de importância vital para a identidade de um povo.”

Ohi, cartunista e integrante da Sosaci

No Sítio do Picapau Amarelo tinha saci

Monteiro Lobato com as histórias do Sítio do Picapau Amarelo ajudou a popularizar o mito do Saci Pererê entre as crianças. Em seus livros infantis a imagem do negrinho travesso foi apresentada por grandes ilustradores brasileiros, como Belmonte (esq.) e Voltolino (dir.)