Vitórias e derrotas na greve dos animadores

Autor:
Guto Camargo

Seção:
Ponto de vista

Publicado em:
10 de Janeiro de 2022

Tempo de leitura:
8 minutos

Vitórias e derrotas na greve dos animadores

Por: Guto Camargo

Os piquetes da greve nos estúdios Disney foram, certamente, os mais criativos da história do movimento trabalhista dos EUA. Os grevistas empunhavam cartazes ilustrados por eles mesmos com desenhos do Pluto (Prefiro ser um cão a um fura-greve); Grilo Falante (Você não fica grilado de furar a greve?) além do Mickey, Pato Donald e de caricaturas do patrão Walt.

Como é comum nestas ocasiões, os relatos sobre a paralisação são bastante variados; Gunther Lessing, advogado de Disney que respondia pelo sindicato pelego criado pela empresa diria ao New York Times que 293 empregados estavam parados, a SCG, sindicato que decretara a paralisação afirmava serem 410 (chegou-se também a falar em 334 paralisados para 303 trabalhando), de qualquer forma, os grevistas eram maioria e se faziam notar entre os animadores de baixos salários e os assistentes de animação – apenas dois animadores com altos cargos participavam; Art Babbitt - representante do sindicato - e Bil Tytla (nesta época consta que o estúdio tinha cerca de 1200 empregados no total). No entanto, a empresa se recusava a admitir que o estopim da greve havia sido a insatisfação com as condições de trabalho, os cortes salariais, as demissões, a perseguição sindical e colocava tudo na conta de agitadores comunistas. Mas nenhum dos principais líderes do movimento se declarava comunista, a única exceção era David Hilberman, que havia iniciado a sindicalização dos colegas, nem mesmo Herbert Sorrell, o líder sindical, era filiado ao partido comunista.

A greve se projetava para além do estúdio com manifestações nas portas dos cinemas onde eram exibidos os desenhos da Disney, foram registrados um ou outro confronto entre manifestantes e fura-greve e o impasse nas negociações se consolidou. Neste momento volta à cena - agora como negociador do estúdio - a figura nefasta de Willie Bioff, da IATSE – que de certa forma fora responsável por despertar a consciência sindical em Art Babbitt. Como se deu a aproximação entre Walt Disney e o controverso Bioff não fica muito clara e não se sabe exatamente de quem partiu a iniciativa da parceria, inclusive por que existe a versão que o advogado da Disney também conhecia o mafioso.

Ocorre que Bioff, a pedido de Disney, entra em contato com as principais lideranças da greve e propõe um encontro para a noite de 30 de junho no Hotel Rooselvet. O sindicalista Herb Sorrel, o advogado do sindicato George Bodle e os grevistas Art Babbit, Bill Littlejohn e David Hilberman se dirigiam ao local do encontro quando foram informados que, na verdade, a reunião se daria na fazenda de Willie Bioff. Pela palavra do advogado e de David Hilberman a reunião não ocorreu pois ninguém confiava em Bioff a ponto de ir até sua casa; mas também existe a versão que parte do grupo se reuniu e na ocasião foi proposto que Babitt deixasse o movimento (em troca de uma substancial ajuda financeira, segundo denúncias) e que os trabalhadores abandonassem a SCG de Sorrel para aderir a IATSE comandada por Bioff pois assim ele resolveria o impasse.

WILLIAM MORRIS BIOFF  (12/10/1900 - 4/11/1955) - Em nome da máfia de Chicago ele controlava parte dos sindicatos de trabalhadores de Hollywood e usava a ameaça de greve para extorquir os estúdios. Foi preso em 1943, fez um acordo com as autoridades, testemunhou contra seus antigos parceiros, cumpriu pena de prisão por apenas 37 meses, ingressou no programa de proteção a testemunhas mas foi assassinado em 4 de novembro de 1955 quando uma bomba explodiu em seu carro.

Versões a parte, a intervenção de Bioff não obteve nenhum resultado, pelo contrário, deixou os grevistas ainda mais furiosos quando surgiu a informação que ele havia sido acusado de suborno e de extorquir estúdios cinematográficos. Para alguns analistas a greve da Disney pode ser vista também como o prenúncio do final do controle da máfia sobre Hollywood. A greve começou a caminhar para seu desfecho a partir da interferência do governo dos Estados Unidos e de um aperto dos bancos credores que pressionavam o estúdio para encerrar a greve, retomar as atividades e ao pagamento das parcelas do empréstimo.

No dia 11 de agosto Walt Disney e sua equipe partem em viagem e seu irmão, Roy, assume as negociações. Depois do afastamento do mafioso Bioff e enquanto Walt Disney se encontrava em viagem pela América do Sul o US Labor Department Conciliation Service (Serviço de Conciliação do Departamento do Trabalho) envia um oficial para intermediar as conversas e, com a concordância das partes, o representante do governo começa seu trabalho. Roy Disney fecha um acordo, a greve é encerrada e os trabalhos recomeçaram no estúdio em 16 de setembro. Os grevistas conquistaram 10% de aumento – para quem ganhava menos de 50 dólares por semana, a readmissão dos trabalhadores demitidos, o reconhecimento do SGC como sindicato oficial dos animadores, estabilidade para Art Babbitt como representante sindical, obrigatoriedade de só contratar trabalhadores sindicalizados e indenização aos demitidos sem motivo, além de benefícios como seguro saúde, entre outros.

Mas, devido a dívida acumulada pelo estúdio, o Bank of America passa a integrar o “comitê executivo” da empresa onde exige cortes de custos. Quando Walt Disney retorna da viagem encontra uma realidade bastante alterada em relação a sua saída: de 1200 trabalhadores o estúdio encolhe para 694, a administração passa a ser dividida com os banqueiros, a produção de filmes diminui drasticamente (mantendo as contratadas com o governo e curtas-metragens). Nesta altura dos acontecimentos outro problema se anuncia: no dia 7 de dezembro de 1941 os EUA declaram guerra ao Eixo após o ataque japonês à Pearl Harbor.

Com o final da greve começa a perseguição de Disney aos que paralisaram as atividades; Art Babbitt chegou a ser despedido cinco vezes para depois ser readmitido por decisão judicial, David Hilberman é despedido e monta seu próprio estúdio, até Dave Hand (que não aderiu à greve) e foi o diretor de Branca de Neve pede demissão por não concordar com o comportamento de Disney, além do fato de que vários funcionários foram recrutados pelas forças armadas -- alguns para a First Motion Picture Unit, da força aérea, que realizava filmes de treinamento.

Tem início o engajamento formal de titio Walt no esforço de guerra e aprofunda-se sua participação ativa como colaborador do FBI na caça aos comunistas de Hollywood – episódio que mancharia definitivamente sua reputação. Disney foi informante do FBI de 1940 (portanto, antes da greve) até pelo menos 1957. Os arquivos do FBI sobre ele foram liberados em 1993 pelo Freedom of Information Act (Lei de Liberdade de Informação) mas parte das páginas estão rasuradas, o que impede que se tenha um quadro completo sobre a verdadeira dimensão da atuação de Disney junto ao FBI.

Após a guerra o panorama político dos EUA sofre grandes alterações; Franklin D. Roosevelt deixa a Casa Branca, a presidência passa a ser ocupada por políticos mais conservadores, começa a perseguição aos sindicatos independentes, aos comunistas e a qualquer um que seja acusado de ser antiamericano tem início. Os sindicatos ligados a Herbert Sorrell perdem força, a IATSE (agora sem o controle da Máfia) se alia aos estúdios para combater a subversão em Hollywood o que enfraquece as entidades dos trabalhadores.

HERBERT SORREL (8/4/1897 - 7/5/1973) - Foi o mais importante líder sindical de Hollywood, organizando entidades e comandando várias greves. A partir de 1945, com a derrota em uma greve particularmente violenta envolvendo policiais, grevistas e provocadores, a perseguição política que passa a sofrer, a aliança pelega da IATSE com os estúdios e a política anti sindical do governo vão minando sua liderança o que acaba, inclusive, causando a incorporação da SCG (que organizou a greve na Disney) ao IATSE. Sorrel deixa de ocupar o papel central no movimento sindical mas permanece a vida toda ligada ao seu sindicato de origem.

A união destes acontecimentos muda para sempre a história da empresa Disney e da animação; a partir da década de 1950 os estúdios Disney vão diminuindo a produção dos desenhos animados e se concentrando em filmes com atores reais e a animação migra da tela grande para a TV (para onde Disney também ingressa com o Clube do Mickey) e temos o surgimento de novos estúdios, principalmente aqueles criados pelos animadores demitidos a partir da greve. Mas isto é outra história...

A primeira parte deste artigo pode ser visto AQUI

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Foto William Bioff: banco de imagens do Beth Israel Cemetery, Phoenix, Arizona (acrescentada por Edwin Vargas)

Foto Herbert Sorrel: Herald Examiner Collection/Los Angeles Public Library Collection

Referências

Livros:

O mundo de Disney. Álvaro de Moya, Geração Editorial.

Walt Disney; o príncipe sombrio de Hollywood. Marc Eliot, Marco Zero.

Walt Disney; o triunfo da imaginação americana. Neal Gabler, Novo Século Editora.

Internet:

Blog de Harvey Deneroff - “It’s Not Cricket to Pass a Picket”– The Disney Strike 70 Years Later

Prop Agenda  (blog de Eric Hart) - A brief history of IATSE

Babbitblog - Disney and the Mob: Willie Bioff

Animation World Network -  The Disney Strike de 1941: How It Changed Animation & Comics 

Cartoon Brew. - The Disney Artists’ Strike of 1941 Changed Animation Forever — And For The Better RIP, David Hilberman

Jacobin - 80 Years Ago Today, Disney Animation Workers Went on Strike