Autor:
Guto Camargo
Seção:
Quadrinhos
Publicado em:
11 de Março de 2024
Tempo de leitura:
7 minutos
Nos anos de 1950 Ramona Fradon conquistando espaço no mundo dos gibis em meio ao ambiente masculino dos desenhistas (foto: autoria desconhecida)
Ramona Fradon; uma pioneira no universo da DC
Por: Guto Camargo
A década de 1950 não foi exatamente o melhor período para uma artista ingressar no ramo dos quadrinhos de super-heróis nos Estados Unidos. O início da década já começara com um cerco moralista aos gibis que passaram a ser visto como influência negativa para os jovens, o mercado entra em decadência com algumas editoras menores fechando as portas e artistas deixando o ramo migrando para ilustração ou publicidade. A crise, que diminuiu a venda das revistas, culminou com a publicação do livro Sedução dos inocentes em 1954 e a criação do Comics Code Authority em 1955 que tirou do mercado os gibis de terror e as histórias de crimes.
Em meio a este cenário pouco promissor surge uma jovem desenhista nascido em 2 de outubro de 1926, em Chicago, que estudara design na Parsons School of Design e na Art Students' League em Nova York, de nome Ramona Fradon. A artista, uma mulher pioneira em um ambiente dominado por desenhistas e roteiristas do sexo masculino, escreveu seu nome na história das HQs e faleceu aos 97 anos por insuficiência cardíaca no dia 24 de fevereiro de 2024.
Ramona, apesar de oficialmente afastada dos quadrinhos desde 1995, estava ativa aceitando encomendas de trabalhos avulsos e participando de eventos sobre quadrinhos até seus últimos dias. Amy Fradon, filha da artista, declarou em entrevista ao The New York Times que ela entregou os últimos sete desenhos para a Catskill Comics, que a representava, uma semana antes de morrer.
A longa carreira
Ramona Fradon (foto ao lado) queria fazer carreira artística, mas, recém-casada em 1948 com Dana Fradon (1922 – 2019) cartunista do The New Yorker que conheceu quando cursava a escola de artes, e precisando aumentar a renda da família começa a desenhar histórias avulsas para a DC no final de 1949 e assume Aquaman em1951 permanecendo como sua desenhista oficial até 1963. Aquaman, criado em 1941 pelo roteirista Mort Weisinger e ilustrado por Paul Norris, nunca foi um dos principais heróis da DC, no entanto superou as limitações e censuras impostas aos gibis na década de 1950 e nunca deixou de ser publicado. Quando o personagem completou 80 anos a DC publicou uma edição especial comemorativa e convidou Ramona Fradon para desenhar a capa, reconhecendo assim a sua importância para a longevidade do super-herói que passa agora por uma revitalização no cinema.
Após sua passagem por Aquaman Ramona se une ao roteirista Bob Haney e o editor George Kashdan e criam em 1964 o super herói Metamorpho the Element Man que tem o corpo composto por diferente elementos químicos e pode se transformar em qualquer material. Desta vez ela participa do desenvolvimento integral do personagem como co-criadora sendo responsável por toda a parte artística.
Metamorfo não alcança a mesma longevidade de Aquaman, possivelmente pelo fato de Ramona, depois de alguns números, abandonar os quadrinhos para cuidar de sua filha pequena sendo que seus substitutos não conseguem manter a mesma sinergia criativa entre o roteiro e a arte meio amalucada que o personagem exigia.
Em 1976 ela volta para a DC chamada para desenhar os Superamigos, quadrinização da série de desenho animado que fazia sucesso na televisão. Na década de 1980 atua por um período no relançamento do Homem Borracha (Plastic Man, criado por Jack Cole em 1941).
Três grandes momentos nos gibis da DC Comics
Na década de 1950 quando consolidou Aquaman no mundo dos quadrinhos; durante os anos de 1960 ela foi co criadora ao lado de Bob Haney de Metamorfo, um herói bastante original que podia manipular os elementos cujo visual foi todo criado pela artista. A partir de 1976 fez a versão em quadrinhos dos desenhos animados dos Super Amigos, grande sucesso na TV. No final da década de 70 a artista ainda iria reviver o Homem Borracha, criado em 1941 e que andava meio esquecido pela DC, além disto, fez alguns poucos trabalhos em Batman, Lanterna Verde e para gibis de terror.
Parceria feminina
No período em que Ramona Fradon trabalhou na DC na década de 1950 a indústria de gibis nos EUA contava com apenas outra mulher, Marie Severin (1929 - 2018) que era colorista na EC Comics, editora com foco em quadrinhos de terror e histórias criminais que com a censura do Comics Code Authority encerrando a linha editorial de gibis. Em consequência destes problemas Marie Severin muda-se para a Atlas Comics (futura Marvel) mas abandona os quadrinhos em 1957 e passa a trabalhar no setor de arte do Federal Reserve Bank de Nova York mas continuou a realizar trabalhos para a Marvel.
Ramona e Marie só vieram a se conhecer pessoalmente décadas depois quando se encontram nas muitas convenções de quadrinhos realizadas em diferentes cidades dos EUA. mas Ramona conheceu e trabalhou em parceria com outra importante pioneira dos quadrinhos americanos, Dale Messick (1906-2005), criadora da tira diária Brenda Star, uma jornalista investigativa criada em 1940 para o jornal Chicago Tribune.
O último trabalho de fôlego da artista foi entre 1980 e 1995 quando assumiu a arte da tira diária Brenda Star, criada em 1940 por Dalia Messick (1906-2005), que assina o trabalho como Dale Messick, um pseudônimo de gênero neutro para esconder que se tratava de uma mulher atuando no ambiente masculino dos “comics” e assim superar o preconceito.
Dale Messick parou de desenhar a tira em 1980 e chamou Ramona Fradon para assumir a arte e continuou escrevendo o roteiro por mais dois anos, quando Dale Messick parou com os roteiros Ramona continuou o trabalho com outras escritoras até se aposentar oficialmente em 1995 (a série continuou a ser publicada até 2 de janeiro de 2011, sempre produzida por artistas mulheres).
Uma das tiras desenhadas por Ramona Fradon em 1985 para a série de Brenda Star. Note que o arte segue assinada por por Messik, criadora original da personagem, Fradon nos desenhos e Linda Sutter, que assumiu os roteiros após a aposentadoria da Messik. Uma das poucas obras criadas, roteirizadas e ilustradas por mulheres.
Reconhecimento da crítica
Antes de Dale Messick algumas poucas mulheres já haviam se aventurados o mundo dos quadrinhos publicados nos jornais do Tio San, sendo Nell Brinkley (1886 – 1944) considerada por muitos estudiosos como a primeira mulher a ilustrar para a imprensa começando em 1902 no Denver Post. A artista chegou a criar HQs naquele período onde a linguagem da narrativa gráfica ainda estava se formando.
Apesar não ser considerado um trabalho muito glamoroso, pois ainda imperava o preconceito contra a linguagem, fazer quadrinhos para a imprensa diária onde o público leitor era predominantemente adulto e o jornal respeitado era uma função mais nobre do que desenhar super-heróis para crianças. Por isso que o Senado americano direcionou o trabalho de caça aos quadrinhos para as editoras de gibis e não para os jornais que passaram praticamente incólume aos anos de 1950.
Esta particularidade faz da carreira de Ramona no mundo das editoras de gibi ainda mais importante do ponto de vista histórico, vencendo em um meio machista e pouco valorizado à época. Curiosamente, ela disse em entrevistas que não lia gibis, apenas os quadrinhos dos jornais e que nunca foi uma fã de histórias de super-heróis e que nunca se interessou muito pelo assunto. Seus trabalhos preferidos na área foram em Metamorfo e Homem Borracha, onde os roteiros continham doses de humor perfeitamente adequadas ao seu traço onde se nota a influência de Will Eisner, um artista que ela sempre declarou admirar
Ramona Fradon é respeitada como uma das maiores artistas mulheres que passaram pela indústria dos quadrinhos. Mas fica um questionamento; um homem que tivesse uma carreira semelhante, longeva e ainda por cima fosse tido como um pioneiro em sua arte seria mais conhecido e festejado pela mídia, críticos e fãs do que Ramona? Ocuparia ele na história um espaço de maior destaque do que o reservado a Ramona? O fato dela ser mulher limita sua visibilidade no mundo dos quadrinhos? Fica a dúvida!