Autor:
Redação
Seção:
Desenhistas
Publicado em:
26 de Março de 2022
Tempo de leitura:
6 minutos
Chargistas lembram momentos do amigo Luscar
Por: Redação
Luscar, como Luis Carlos dos Santos assinava seus desenhos, nasceu na cidade de Salto, em São Paulo em abril de 1948, mudou para a capital no bairro da Casa Verde (local de onde saíram vários cartunistas), foi ilustrador do Almanaque Biotônico Fontoura, trabalhou no estúdio do Maurício de Souza, de lá passou para os jornais e revistas, foi morar no Rio de Janeiro (onde se juntou ao pessoal do Pasquim e da revista MAD) e retornou para São Paulo, casou-se com a ilustradora Mariza (1952-2019) e faleceu em 25 de março de 2022 em decorrência de um câncer no pulmão. Seu personagem mais conhecido, Drº Baixada, criada para a MAD em 1980 migrou para o Jornal do Brasil e virou livro (editora Circo) e revista (editora Hamasaki), era um misto de justiceiro e criminoso que vivia o dia a dia de uma realidade violenta na periferia do Rio de Janeiro.
No campo das artes gráficas Luscar, que publicou seu primeiro desenho em 1968 na revista Cláudia (editora Abril) foi cartunista, quadrinhista e roteirista (publicou histórias de terror para a editora Vecchi com o pseudônimo Basílio de Almeida) em uma longa lista de publicações, nos grandes jornais ou na imprensa alternativa. Nos anos de 1970 foi preso na redação de A Gazeta como “comunista”, tomou, em suas próprias palavras, “alguns petelecos” e foi liberado a seguir, no entanto, o episódio lhe trouxe problemas profissionais fechando-lhe várias portas, o que o fez ir para o Rio em 1974.
Apesar de se considerar, mais próximo do existencialismo do que do marxismo, conviveu com vários jovens que faziam oposição ao governo e seu nome era uma homenagem ao líder comunista Luis Carlos Prestes. O artista sempre se identificou com um estilo de vida mais alternativo e suas charges expressam esta forte crítica aos costumes, mas, como disse em um depoimento, durante a ditadura todos podiam ser vistos como "comunistas" pela repressão.
Esta variada trajetória de vida é lembrada pelos amigos em depoimentos para a Revista Pirralha que, assim, homenageia o mestre de gerações de cartunistas.
JAL - "Luiz Carlos Luscar Santos se foi nesta noite. Estava no hospital do Mandaqui por um câncer no pulmão. Mais um cartunista que nos abandona. Ele fazia parte dos cartunistas que surgiram na mesma época no bairro da Casa Verde. Já foi anos atrás o Petchó e há pouco tempo o Toninho Mendes. Da turma ainda tem eu, Angeli e um desenhista nissei que sempre esqueço o nome. Tempos difíceis!!!"
NILSON - "Teve uma época em que o Luscar foi assistente do Ziraldo; eu ele o Nani o Duayer o Ykenga e outros fomos uma espécie de segundo ou tercaero time do Pasquim. A última vez que publiquei na grande imprensa por obra do Ziraldo foi no JB em 2007, no caderno B tinha uma seção de quadrinhos com o Ota, o Vasques e, entre outros, eu e o Luscar, lá eu publiquei as tiras da Caravela e ele o Doutor Baixada. O Luscar fez para a editora Três em 80 uma revistinha com versões eróticas de contos de fada, ele escreveu todas as histórias e chamou Rinaldo, Nani, Cláudio Paiva e outros para desenhar. Eu fiz a Branca de Neve com a minha própria história em vez do roteiro dele e ele não viu problema nisso. Tivemos uma boa relação embora não propriamente amizade, mas convivi com ele e a Mariza em São Paulo quando eles tinham acabado de se separar, publicavamos no Vira Lata onde o Angeli era o editor."
CRAU - "Queria tê-lo reencontrado mais.Tava lembrando dele ontem. Parceiro nO Bicho, onde éramos do corpo permanente da revista ele ficou de hóspede num quarto extra que tinha no meu apartamento, na rua Saint Roman (Rio de Janeiro); estava feliz pois tinha acertado de publicar charge diária no jornal O Globo. Volta e meia ele chegava tarde, contando que tinha estado na casa dos Marinho e secado uma garrafa de whisky com o Roberto Irineu, daí a gente fumava um e ficava ouvindo Bob Dylan numa esteira de palha. Ele namorava a Mariza, mas ainda não tinha ido viver com ela -- pinta de hippie, ou de cowboy de Salto de Itu. A gente varava a noite sentados lado a lado na mesma prancheta, rabiscando, bolando e desenhando cartões de la Rue (*) e a charge para O Globo. Muitos anos depois das tragédias que passaram na sua vida visitei-o em São Paulo, já tinha o cabelo e barba totalmente branquinhos e soube que a irmã do Ota era mãe dos seus primeiros filhos (eu lembro do dia em que ele desceu do ônibus fora do ponto, para ir atrás dela). Nesta época sua companheira era a Tita e havia mais duas crianças e me deu uma revistinha que ele fez. Tinha comprado um Mac e estava ocupando lugar na imprensa depois de ter passado seu tempo de viver debaixo dos Arcos da Lapa. Que trajetória, Santo Deus!!"
YKENGA - "No tempo das vacas magras do Pasquim saíamos juntos da redação (na rua da Carioca 69) eu, o Jaguar e o Luscar - que era cunhado do Ota - íamos passando em revista os botequim ali pela Lapa, bebendo as custas do prestígio do Jaguaribe e do "Pasca". Geralmente terminávamos nos braços das "meninas" da boate Novo México. O Luscar, que tinha sido expulso de casa pela irmã do Ota, tinha uma moça permanente que sempre o levava pra dormir com ela. A rapaziada boa está indo embora, só está sobrando a moçada Nutella, pera com leite e danoninho e politicamente/correta/chata."
RICK GOODWIN - "Luscar fez parte dos dois maiores projetos da da Pacatatu: o Bota Tira, distribuindo tiras diárias para jornais em todo o pais (inclusive o seu Drº Baixada) e o Humor em Geral - tocado por eu Jaguar & Amorim - publicando uma pagina inteira de cartuns (!!) toda semana em mais de 70 jornais. Ele fez este desenho para a primeira pagina do projeto, dando um pontapé de humor na coisa toda."
GEUVAR - "Ele foi mas deixou um registro de trabalho muito importante da forma como escolheu viver nesta dimensão. Luscar não morreu de verdade, só vai mudar de nome e de corpo. Assim entendem os Espíritas, umbandistas, candomblecista... Triste é quando se morre na violência, porque talvez não fosse a hora, mas Olorum está no comando de tudo."
VASQS - "Estive com o Luscar uma única vez, ele foi atrás de trabalho no jornal onde eu trabalhava, o Diário Popular. Tinha talento um traço moderno e ótimas sacadas ... quem não se lembra do cartum vencedor do Salão de Piracicaba; um sujeito com cabeça de chuteira repetindo a frase do Pelé que o povo não estava preparado para votar? Antológico!, reproduzido à exaustão como arma na luta pela democracia. Triste mesmo."
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(*) Seção de publicidade feita pelos próprios desenhistas do jornal.
Veja entrevista com Luscar em Bengalas Boys Club (AQUI)