Lembrando 115 anos de modernidade de Luiz Sá

Autor:
Redação

Seção:
Memória

Publicado em:
6 de Setembro de 2022

Tempo de leitura:
7 minutos

Lembrando 115 anos de modernidade de Luiz Sá

Por: Redação

Luiz Bezerra de Sá nasceu em Fortaleza (CE) em 28 de setembro de 1907, portanto, há 115 anos, desde criança gostava de desenhar mas não chegou a atuar profissionalmente enquanto vivia no nordeste; “Andei fazendo alguma coisa, muito raramente para o Jornal do Commercio, no ano de 28. Ainda, no Liceu, rabiscava um jornalzinho à mão, só um exemplar, que ia passando entre os alunos.” declarou. (1)

Devido a seca de 1917 imigrou para o Rio de Janeiro no início de 1929 procurando melhores condições de vida mas, conforme declarou “passei foi miséria, acabei parando no Hospital de Gamboa com icterícia por excesso de álcool”. No hospital fez amizade com as freiras, após a alta foi contratado como vigia noturno e começou a pintar alguns quadros que mostrou ao pintor cearense Pacheco de Queiroz que por sua vez o apresentou para o Adolfo Aizen que o contratou; "pago 10 mil réis por cada desenho, publico e devolvo o original", lembra Luiz Sá sobre o começo de sua carreira

Herman Lima, ao apresentar o desenhista em sua obra História da Caricatura no Brasil afirma que o “cartão de visitas” do artista foi uma exposição apresentada na cidade em 1931 na qual mostrava seus desenhos a bicos de pena aquarelados retratando “de maneira maliciosa e num traço inteiramente próprio, tipos, cenas e costumes de sua terra, da capital e do interior”, com rendeiras, vaqueiros e paisagens. Herman Lima não esclarece, mas trata-se de "Galeria de quadros célebres da História do Brasil ao estilo moderno", a qual se seguiram outras.

Naquela época nossos cartunistas ainda eram fortemente influenciados pelos chargistas ingleses e franceses e ostentavam desenhos clássicos com ecos do século XIX. Foi o traço “próprio”, de formas arredondadas e traços firmes mas com muita leveza, que o distinguiu da maioria dos cartunistas de seu tempo. O estilo de Luiz Sá era contemporâneo, se aproximava do “cartoon” norte americano, da estética modernista de 1922 com seus temas nacionais e da forma solta dos desenhos animados que eram visto nas elas dos cinemas.

O artista passou a trabalhar na empresa O Malho, que editava O Tico-Tico, onde se tornou um dos artistas mais populares e lançou em 1931 sua criação mais famosa, as histórias em quadrinhos do trio de amigos Reco-Reco Bolão e Azeitona, cujos personagens continuaram populares mesmo com o fim da revista que circulou regularmente até 1958 (após esta data alguns almanaques foram publicados até o seu final definitivo).

Luiz Sá foi um artista versátil, seus desenhos foram vistos em cartuns, ilustrações e histórias em quadrinhos. Outra de suas criações antológicas foi feita em 1938 para o jornal O Globo, trata-se de um bonequinho em cinco posições – aplaudindo de pé, aplaudindo sentado, apenas sentado prestando atenção, dormindo e deixando a sala – que indicava a opinião da crítica sobre os filmes e que é usado até hoje.

O animador

Uma faceta pouco conhecida do desenhista é o seu papel como um dos pioneiros da animação brasileira. Nos anos 30 os filmes exibidos nos cinemas eram antecedidos pelos cinejornais nacionais e Luiz Sá começou a desenhar o letreiro estáticos de abertura dos noticiários mas logo passou a fazer experiências com animação. “Eu havia feito antes uns comerciais de cama patente em que o personagem jogava madeira por um buraco em uma grande máquina e a cama saía completa no outro lado. Fiz outro de um jogador de futebol correndo com a bola, de repente ele parava, com a mão na cabeça, chegava o massagista com um comprimido, ele tomava, continuava correndo e marcava o gol.”

Após estas primeiras experiências Luiz Sá, em 1939, resolve criar uma animação mais longa; Aventuras de Virgolino. O filme foi terminado mas nunca exibido, inicialmente pelo fato que o laboratório que processava o negativo ter sido fechado pela guerra “e o meu desenho lavado com ácido, acabou vendido como sucata”. Uma cópia do filme que estava com Luiz Sá acabou vendida pelo artista para uma loja de projetores de cinema que, ao invés de exibir o desenho cortou o negativo em vários blocos que foram oferecidas como brindes aos compradores das máquinas (uma parte da animação encontrada no acervo de um colecionador acabou sendo recuperada e incluída em um documentário de 1975 dirigido por Roberto Machado Júnior) (2).

Quando Walt Disney veio ao Brasil em 1941 Luiz Sá, em uma reunião organizada com os desenhistas locais, pretendia mostrar uma de suas animações para o cineasta norte-americano mas foi impedido por um diretor do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) sob a alegação "que era muito pobre". Em relação a esta afirmação o brasileiro esclarece indignado: "É claro que era pobre, foi feito para mostrar o esforço de um sujeito que tinha feito sozinho, enquanto no exterior havia uma equipe para isto".

Os famosos "bonequinhos" que ilustram (e resumem) desde 1938 as críticas de cinema do jornal

Últimos dias

Com o fim de O Tico-Tico, no início da década de 1960, a carreira de Luis Sá entra em declínio, seu traço (que muitos passaram a considerar superado) não aparece mais na imprensa com regularidade, no entanto, sua obra ainda era vista nos cinejornais até que em 1965 o governo ditatorial de general Castelo Branco acaba com a obrigatoriedade da apresentação dos noticiários que antecediam os filmes e ele perde mais uma vez seu espaço na mídia.

O artista passa então a viver em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, quando, em 1974, ele é internado no Sanatório Azevedo Lima, em Niterói, diagnosticado com tuberculose. O desenhista se recupera mas em 14 de novembro de 1979 vem a falecer devido às complicações causadas pelo problema no pulmão.

Conheci o Luiz Sá quando morei em São Gonçalo, fui a casa dele, ele bebia escondido uma cachacinha, que chamava de "paraty", a filha não podia saber pois ele estava doente do pulmão. Pra não fazer desfeita ajudei ele a esvaziar a garrafa. Ele fazia piada com a própria doença, morava na rua do cemitério de São Gonçalo e dizia que era pra quando morrer ir a pé pro cemitério. (declaração exclusiva do cartunista Ykenga para a Revista Pirralha)

Saúde pública

Poucos sabem mas Luiz Sá foi funcionário do Serviço Nacional de Educação Sanitária, um órgão governamental fundado em 1941 durante o governo do presidente Getúlio Vargas para elaborar campanhas, cartilhas e peças de propaganda sobre hábitos saudáveis, alimentação correta, higiene, prevenção e combate a doenças. Seu traço ajudava a tornar o tema mais atraente para o público e as ilustrações abordaram desde temas como o câncer (onde esclarecia que já era possível curá-lo com as técnicas modernas desde que fosse descoberto no início, um grande avanço da medicina da época), como cuidar das espinhas, como escolher os alimentos mais nutritivos e, em uma das publicações ensinava até mesmo a que horas as pessoas deveriam tomar banho: “todos os dias, de preferência pela manhã”, era o que se acreditava à época. O desenhista acabou pedindo demissão do do emprego no período da II Guerra Mundial quando se desentendeu com um diretor que exigia do artista uma jornada de trabalho fixa.

Caricatura de Bira Dantas premiada com menção honrosa no Salão de Humor de Caratinga

Notas

(1) As declarações pessoais de Luiz Sá neste texto foram retiradas da entrevista publicada na revista Traço, nº 2 em abril de 1979. e reproduzida no blog  Tiras Memory.

(2) O documentário pode ser visto na internet em:

https://yewtu.be/watch?v=RT8wsmmikls&autoplay=0&continue=0&dark_mode=true&hl=es&listen=0&local=1&loop=0&nojs=0&player_style=youtube&quality=medium&thin_mode=false

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Foto de abertura: o artista em frente de sua casa em São Gonçalo, fotograma reproduzido do documentário de Roberto Machado Júnior.

Fontes consultadas

Almanaque d'OTico-Tico, Edição Comemorativa dos 100 anos. Instituto Antares.

História da Caricatura no Brasil, Herman Lima editora José Olympio

Blog Tiras Memory de Luigi Rocco: https://tvmemory.blogspot.com/2017/07/luiz-sa-entrevista-1978.html

Site In Vivo, Museu da Vida da Fiocruz : http://www.invivo.fiocruz.br/historia/luiz-sa-um-desenhista-a-servico-da-saude/