O balão chega aos quadrinhos brasileiros

Autor:
Guto Camargo

Seção:
Quadrinhos

Publicado em:
11 de Setembro de 2023

Tempo de leitura:
6 minutos

Em o Tico-Tico, uma das revistas pioneiras na publicação de quadrinhos no Brasill, o balão de fala aparecia de forma esporádica em suas páginas

O balão chega aos quadrinhos brasileiros

Por: Guto Camargo

No início do século XX foi lançado no Rio de Janeiro a revista que iniciou a popularização das histórias em quadrinhos no Brasil; O Tico-tico.. Com o slogan Jornal das crianças surgiu em 11 de outubro de 1905 publicado pela editora O Malho, em suas edições semanais mesclava passatempos e textos de caráter geral (com muita ilustração em preto e branco) e narrativas gráficas (quadrinhos coloridos) onde não havia balões de fala, sendo o diálogo apresentado em forma de legenda abaixo do desenho. Em 1905 os balões já eram comuns nos comics publicados nos jornais norte americanos, mas O Tico-tico  não foi baseado nos quadrinhos dos EUA e sim na revista francesa La semaine de Suzette, também lançada em 1905 só que em 2 de fevereiro. A grande personagem daquela revista foi a empregada doméstica Bêcassine, um marco das histórias em quadrinhos francesas que no Brasil recebeu o nome de Felismina.

Dessa forma, o balão de fala não foi usado em  O Tico-tico, seja por padronização estética do conjunto da publicação ou por simples cópia do modelo francês, uma vez que  La semaine de Suzette também não utilizava este recurso. O balão era conhecido mas ignorado pelos artistas brasileiros que "redesenhavam" as HQs de Buster Brown (Chiquinho no Brasil), criação de Richard F Outcault que já utilizava o balão, mas que por aqui era publicado com legendas abaixo do quadrinho adaptado.  Naquela época a imprensa brasileira seguia o padrão francês com forte presença de literatos, o que só começaria a mudar na década de 30 quando os jornais passam a priorizar a técnica jornalística norte americana e a publicar mais reportagens sobre fatos cotidianos e menos opiniões,  não foi por acaso que em 1934 Adolfo Aizen introduz  na imprensa brasileira o Suplemento Juvenil que populariza os heróis (e super-heróis) com suas aventuras narradas a partir do uso dos balões e que eram adquiridas dos Syndcates que controlavam a distribuição das tiras. para os jornais, tanto no interior dos EUA quanto internacionalmente.

Em 1906 Buster Brown, nos EUA, utilizava o recurso do balão em suas HQs, mas a sua cópia brasileira, Chiquinho, era redesenhada e adaptada  para ser impressa com as legendas embaixo do desenho, como pode ser visto nestas histórias publicadas no mesmo ano. Chiquinho, cuja estreia se deu no primeiro número de O Tico-Tico foi um dos personagens de maior sucesso da revista e mesmo depois de ter sido cancelada na América do Norte continuou a ser produzida por aqui, o que por muitos anos fez com que se pensasse ser uma criação nacional (imagens; Crumbling Paper Archive e Hemeroteca Brasileira).

Surge o balão brasileiro

Dado o pioneirismo de O Tico-tico na publicação de histórias em quadrinhos, possivelmente o primeiro balão a figurar em uma edição brasileira foi impresso em suas páginas.  Se isto é verdade, o primeiro balão, um tanto desajeitado para o padrão atual, apareceu na última cena da história O equilibrista, que ocupava a página 15 do número 17 (31 de janeiro de 1906) e o pioneirismo cabe a um artista que pela assinatura, infelizmente, não pode ser identificado, ficando assim no anonimato. Antes dele o que mais se assemelhava a um balão de quadrinhos com objetivo de apresentar a fala de um personagem, se bem que o texto não está fechado "fechado" em um círculo,  foi publicado no número anterior da revista na história Um menino prodígio. Mas a novidade não foi incorporada pelo demais artistas da revista que permaneceram atrelados ao espírito da Belle Époque do final do século XIX e não ao da modernidade do século XX que se iniciava.

Em 1906 alguns artistas iniciam na revista O Tico-tico experiências isoladas introduzindo novas formas de comunicar a fala dos personagens para além das legendas, abrindo espaço para a incorporação dos balões nos quadrinhos brasileiros (imagem; Hemeroteca Brasileira)

Após esta estreia tímida, a medida que a revista ia se desenvolvendo e os artistas nacionais buscavam seus próprios caminhos fugindo do simples "decalque" dos comics de Buster Brown ou dos modelos bem comportados importados da França, os balões com as falas dos personagens começaram a aparecer de maneira mais regular em alguns quadrinhos do Zé Macaco, desenhados por Alfredo Storni (1881 - 1966), o primeiro balão localizado em uma de suas histórias foi no  nº 171, edição de 13 de janeiro de 1909 (reprodução na foto de abertura) , mas eram apenas um detalhe da trama. Os textos inseridos nos balões em seus quadrinho seriam usados quase que como "cacos" colocados nas tramas .para efeitos cômicos ou para complementar alguma informação.e as tramas continuavam alicerçadas nas legendas inferiores.O segundo artista a utilizar com certa regularidade (e com a mesma parcimônia) foi Max Yantok (1879 - 1964), nas aventuras de Kaxinbown, a partir de 1912. Por outro lado, artistas do calibre de um J Carlos se mantinham fiel ao uso das legendas abaixo de seus desenhos, deste modo, a maioria das histórias em quadrinhos de O Tico-tico  continuava conservadoramente aferrada a tradição dos textos descritivos abaixo dos quadros ignorando os balões de fala.

Os balões começaram a ser introduzidos nas HQs de O Tico-Tico como uma espécie de complemento para a narrativa que continuava baseada nas legendas inferiores como demonstram estas páginas desenhadas por Alfredo Storni (Zé Macaco) e Max Yantok (kaxinbown) que foram por muito tempo os únicos autores a utilizarem este recurso na revista (imagens; Hemeroteca Brasileira)

No entanto, em O Tico-tico nº 336 (13 de março de 1912) os leitores se depararam com o que pode ser a primeira narrativa gráfica brasileira totalmente baseada no uso de balões de fala sem o recurso das legendas; O garoto castigado, de autoria de Ariosto, que apresentou um traço bastante moderno que fugia dos padrões gráficos da revista. Infelizmente se tratou de uma experiência isolada que não se repetiu nos números seguintes mas basta para garantir a este artista o título de pioneiro brasileiro dos quadrinhos com balões, mesmo a revista tendo se mantida fiel às legendas até o seu encerramento no final da década de 1950.

Ariosto Duncan nasceu no Rio de Janeiro em 15 de outubro de 1889, neto de ingleses, ainda adolescente começou a publicar na imprensa da época com destaque para o Fon-Fon onde trabalhou com K Lixto e Raul Pederneiras, os grandes nomes da caricatura do início do século XX. Transferiu-se para as publicações da editora O Malho onde colaborou eventualmente com O Tico-tico, passou para a redação do jornal A Noite de onde saiu para trabalhar na Companhia Telefônica Brasileira quando foi responsável pela revista interna O Sino Azul,  editado pelo departamento de propaganda da empresa com um projeto gráfico que priorizava as ilustrações e era distribuída aos funcionários (no destaque uma ilustração do autor publicada em O Malho de 19 de abril de 1915).

Fontes consultadas:  Àlvaro de Moya, História da história em quadrinhos.; Herman Lima, História da Caricatura no Brasil; O Tico-tico, edições da Hemeroteca Digital Brasileira,