Autor:
Guto Camargo
Seção:
Memória
Publicado em:
18 de Março de 2024
Tempo de leitura:
8 minutos
Entre 1934 e 1945 as crianças brasileiras encontravam no Suplemento Juvenil de Adolfo Aizen sua dose semanal de fantasia e aventura
Adolfo Aizen traz os super-heróis ao Brasil
Por: Guto Camargo
Na quarta-feira, 14 de março de 1934 o jornal A Nação trazia encartado em sua edição uma surpresa para seus leitores (reprodução no destaque). Um dia antes o jornal apresentava em destaque na parte superior da capa um quadro onde informava aos leitores que: “Amanhã um suplemento infantil com historietas em quadros, a cores. Será o melhor presente para seu filho. Um presente que diverte e instrue. Mais barato que um café ou uma caixa de phosphoros” (reproduzido de acordo com a grafia da época).
O responsável pela novidade foi o jornalista Adolfo Aizen (1904 – 1991) que fez chegar às bancas da cidade do Rio de Janeiro o Suplemento Infantil, que agora comemora os 90 anos de sua publicação. O sucesso foi imediato e em 20 de junho, no número 12, a publicação se desliga do jornal, muda o nome para Suplemento Juvenil, começa a ser editada pelo Grande Consórcio de Suplementos Nacionais e passa a ser distribuído em diferentes jornais em várias cidades do país, inclusive sendo negociado separadamente. Desta forma Aizen, um imigrante judeu de origem russa mas cuja cidade natal, Dnipro, atualmente faz parte da Ucrânia, entra para a história como o grande responsável pelo lançamento dos quadrinhos de aventura e super-heróis americanos no Brasil.
A viagem aos EUA
Aizen conheceu os comics americanos quando integrava uma comitiva de jornalistas brasileiros aos EUA durante uma viagem patrocinada pelo Touring Club realizada em agosto de 1933. O convite fazia parte da política de boa vizinhança do governo Roosevelt. Como o jornalista tinha uma irmã que morava em Massachucetts, terminado o intercâmbio, ele permanece nos EUA por mais alguns meses. Durante esta estadia Adolfo Aizen elabora o projeto de publicar os suplementos nos jornais brasileiros e após sua volta ele lança em parceria com João Alberto Lins de Barros, político e proprietário do jornal A Nação, cinco encartes diários; Policial, Esportivo, Feminino, Humorístico e o Infantil que se tornaria o Suplemento Juvenil.
O Suplemento Juvenil não era propriamente um gibi como conhecemos hoje; além do fato do tamanho ser um tabloide – um pequeno jornal e não uma revista – a publicação Gibi, que daria o nome às revistas de histórias em quadrinhos no Brasil só seria lançado em abril de 1939 pela editora O Globo, de Roberto Marinho, concorrente direto de Aizen, que editou, também em tabloide, o Globo Juvenil. Adolfo Aizen e Roberto Marinho, que trabalharam juntos na redação de O Globo, rompem relações e protagonizaram uma das maiores disputas da história editorial brasileira pelo direito de publicar no país os quadrinhos da King Features Syndicate. História narrada no livro A guerra dos Gibis, de Gonçalo Júnior.
Aizen publicou o Suplemento Juvenil e Roberto Marinho respondeu com O Globo Juvenil; por sua vez Aizen lança outra novidade; O Mirim, este um tabloide dobrado ao meio e grampeado, sendo, portanto a primeira “revista” de quadrinhos brasileira. Mas a vitória nesta guerra começa a se definir para o lado de Roberto Marinho quando, em 1939, este consegue um contrato de exclusividade com a representação brasileira do King Features Syndicate e assim “rouba” do Suplemento todos os heróis representados pela distribuidora. Nos anos seguintes a empresa de Aizen precisa recorrer aos heróis dos pequenos “syndicates” (ele mantém apenas dois grandes trunfos; Tarzan e o Principe Valente) e começa a passar por dificuldades financeiras. O Suplemento Juvenil deixa de circular com no número 1726 em 20 de novembro de 1945; Aizen ainda era o editor mesmo tendo vendido o título para a editora A Noite e fechado sua editora em 1939 . Mas a trajetória de Adolfo Aizen no mundo das histórias em quadrinhos não termina aí pois em maio de 1945 ele se torna o fundador da Editora Brasil América – Ebal, que pode ser considerada como a mais importante editora de quadrinhos da história brasileira, e que encerra as atividades em 1995.
Adolfo Aizen e o prédio sede da sua Editora Brasil América - Ebal
A mão dos brasileiros
O Suplemento Juvenil apresentava em seus primeiros exemplares forte influência de O Tico-Tico ao mesclar textos de caráter geral, pequenos contos de autores brasileiros intercalados com os “comics” vindos dos EUA. Esta semelhança certamente não mero acaso uma vez que Adolfo Aizen havia trabalhado na Editora o Malho, que publicava a revista infantil. Uma influência positiva levada da antiga editora foi o fato de Aizen, desde o início, abrir espaço para os artistas nacionais; a capa do nº 1 apresenta um desenho do grande J. Carlos para o conto A pedra que rolou da montanha, de Luís Martins e não estampa nenhum personagem dos quadrinhos que apareciam no interior da publicação e que se tornariam a marca registrada da publicação.
Mas o diferencial do Suplemento em relação ao O Tico-Tico era exatamente a presença dos quadrinhos de aventuras com seus heróis dando cada vez mais as caras: Flash Gordon e Jim das Selvas apareceram já no nº 3. Depois que se assumiu como “Juvenil” e não mais infantil os heróis surgiram gloriosos em suas páginas: Tarzan (nº 31), Mandrake (nº 101), Agente Secreto X 9 (nº 138), Príncipe Valente (nº 393), além de Buffalo Bil, Dick Trace, Popeye e personagens da Disney entre muitos outros. O sucesso foi tão grande que em novembro de 1934 o Suplemento passou a ter duas edições semanais, circulando as terças e sextas.
Os garotos da época foram conquistados por estes heróis: Diamantino da Silva salienta: “Eu, pessoalmente, não ligava muito para O Tico-Tico, o achava muito infantil para o meu gosto. Gostava mesmo era de frequentar aos domingos as matinês do Cine Guarany e do São Bento” (Quadrinhos dourados, pág. 11). Outro estudioso dos quadrinhos e leitor do Suplemento, Álvaro de Moya, dá um depoimento semelhante; “Não gostávamos da revista O Tico-Tico – publicação para crianças, lançada em 1905 e que circularia até 1957 – porque tinha uma linguagem do século 19 e éramos a favor de um quadrinho mais moderno, como se fazia nos Estados Unidos desde a década de 1930” (A reinvenção dos quadrinhos, pag. 20).
A narrativa centrada em aventuras e heróis espetaculares encantou os meninos da época e foi inicialmente Adolfo Aizen, e depois seus imitadores e concorrentes, que satisfizeram este anseio juvenil por gibis de aventuras. Os gibis, então, ficaram marcados como leitura voltada para garotos com idade entre 10 ou 12 anos, preconceito que perdurou por muito tempo e só foi definitivamente superado nas últimas décadas.
Mas o Suplemento Juvenil não foi apenas a porta de entrado dos quadrinhos americanos no Brasil, ele também revelou uma série de artistas locais e personagens, hoje praticamente esquecidos. Uma presença constante nas páginas do Suplemento foi Monteiro Filho (1909 – 1992) que estreou no nº 1 e acompanhou Aizen da criação do Suplemento até o período do Ebal, para a qual desenhou inúmeras capas. No Suplemento publicou as histórias de Roberto Sorocaba, um dos primeiros heróis brasileiros de quadrinhos de aventura. Também passaram pelas páginas do Suplemento Juvenil artistas como Max Yantok, Théo, Carlos Thiré e Gutemberg Monteiro, entre outros.
As três mais importantes publicações de Aizem que introduziram os quadrinhos de super-heróis no Brasil
Memória, prêmio e reconhecimento
O nome de Adolfo Aizen e o Suplemento Juvenil são corretamente reconhecidos como de importância histórica e ocupam um lugar de destaque no mundo da história em quadrinhos brasileira, inclusive, esteve envolvido indiretamente na criação do Dia do Quadrinho Nacional. Em 1984 no Rio de Janeiro foi realizada, por ocasião do aniversário de lançamento do Suplemento Juvenil, a exposição “50 anos de Quadrinhos Brasileiro”, o que desencadeou entre os estudiosos dos quadrinhos, notadamente pesquisadores da USP em São Paulo, uma mobilização visando corrigir esta informação demonstrando que o Brasil havia publicado sua primeira HQ em 30 de janeiro de 1869, tratava-se de “As aventuras de Nhô Quim”, de Angelo Agostini, publicada na revista Vida Fluminense. A partir desta constatação estabeleceu-se, a partir do ano seguinte, a celebração oficial do dia 30 de janeiro como a verdadeira data do quadrinho nacional com um evento no SESC Pompeia em São Paulo, data hoje reconhecida e comemorada em todo o país.
Este ano finalmente Adolfo Aizen recebe uma homenagem a altura de sua importância; a justiça histórica foi feita pela Fundação Biblioteca Nacional que aproveitou o Dia Nacional dos Quadrinhos deste ano para anunciar a criação do prêmio Adolfo Aizen que será concedido anualmente como uma nova categoria do Prêmio Literário Biblioteca Nacional que passa então ater 12 categorias, A história em quadrinhos vencedora receberá R$ 30 mil de premiação, as regras para participação serão divulgadas futuramente por edital, os resultados publicados no Diário Oficial da União (DOU) e no portal da Biblioteca Nacional.
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Fontes:
A guerra dos Gibis. Gonçalo Junior, Companhia das Letras.
A história da história em quadrinhos. Álvaro de Moya, LPM.
A reinvenção dos quadrinhos. Àlvaro de Moya. Editora Criativo.
Quadrinhos dourados, A história dos suplementos no Brasil. Diamantino da Silva, Ópera Gráfica.
Jornal AQC nº 7, janeiro de 1985
Folhetim, da Folha de S. Paulo, 11 de março de 1984. Naumim Aizen