Um ativista cultural de nome Ziraldo

Autor:
Redação

Seção:
Memória

Publicado em:
13 de Abril de 2024

Tempo de leitura:
6 minutos

O jovem Ziraldo axamina a revista Pererê, gibi que se tornou símbolo da luta pela nacionalização das Histórias em Quadrinhos

Um ativista cultural de nome Ziraldo

Por: Redação

Quando Ziraldo faleceu, em 6 de abril de 2024, os amigos o homenagearam (ao lado um desenho de Marcos Venceslau)  e a imprensa noticiou suas várias atividades; cartunista, escritor, jornalista, publicitário e quando se referia a suas atividades de caráter mais político e social basicamente se referia a sua postura de enfrentamento à ditadura através do jornal Pasquim, no entanto, ele se mobilizou por causas políticas e sociais em muitos outros momentos de sua vida.

Antes do golpe militar de 1964 Ziraldo participou, ao lado de outros jovens artistas, do movimento nacional pela criação de uma lei de proteção aos quadrinhos brasileiros. A campanha tinha no gibi do Pererê, um grande sucesso de venda, uma prova da viabilidade da indústria nacional dos quadrinhos.

Gonçalo Júnior, em seu livro A guerra dos gibis, narra que Ziraldo, em um encontro informal com o então presidente Jânio Quadros quando em visita à redação de O Cruzeiro (que editava o Pererê), abordou o político falando sobre a necessidade de proteção do artista nacional de quadrinhos, o que resultou em duas reuniões no Ministério da Educação e Cultura entre governo e quadrinhistas e a proposta de lei sobre cotas para as histórias brasileiras, iniciativa que o governo militar sepultou definitivamente.

Em 1985, durante o governo de José Sarney, Ziraldo foi presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e retomou, a partir de nova abordagem, um projeto de valorização dos quadrinhos e das artes gráficas brasileiras. Quem relata esta história, em texto exclusivo para a Revista Pirralha, é o amigo e colaborador na empreitada, o jornalista Rick Goodwin.

Criar uma política pública para as HQs

Por Rick Goodwin (*)

Ziraldo sempre esteve cheio de projetos ousados e mirabolantes. Sua passagem pela presidência da Funarte foi agitada e polêmica (como tudo dele). Com sua visão de mundo a partir de Caratinga, priorizou uma política cultural voltada para o interior do país. Bateu de frente com os diretores da época, que lidavam com uma cultura mais de elite, com ênfase no eixo São Paulo-Rio. Ziraldo promoveu coisas como apoio às bandas musicais das cidadezinhas ou fomento às cozinheiras de comidas típicas (daí apelidarem sua gestão de “broa de milho”.)

E também criou em 1985 um Núcleo de Artes Gráficas, desmembrado do Instituto de Artes Visuais - considerando que elas tinham características distintas das Belas Artes como um todo – e tendo como diretores o cartunista Marco (que era da gráfica do Banco do Brasil) e eu.

O NAG realizou projetos, exposições e discussões na área do desenho de humor, da ilustração e da gravura, além de editar livros sobre nomes como Nássara, Guevara e Figueroa. O projeto mais importante veio de conversas que Ziraldo e eu vinhamos tendo há algum tempo, sobre a necessidade de abrir espaços para os quadrinhistas nos jornais diários. Ziraldo era fascinado pelas tiras americanas, que contam com um esquema maciço de distribuição através dos syndicates.

Assim criamos na Funarte o Projeto Bota-Tira. Fizemos um piloto no Jornal do Brasil, com 12 títulos, entre novatos e veteranos (seção de quadrinhos com 12 títulos! Imaginem!). E logo começamos a percorrer o Brasil, procurando editores e donos de jornais em diversas cidades, pois o objetivo era não só abrir espaço nos grandes jornais como levar os quadrinhos brasileiros para o interior do país. A dificuldade além de concorrer com as tiras americanas (que chegam aqui a preço de banana) era convencer as pessoas da importância de ter quadrinhos para os leitores (e que não eram só para crianças)

A ideia era publicar o mesmo título em vários jornais e com isso poder oferecer o produto a um preço acessível para os pequenos jornais ao mesmo tempo que entrava um rendimento razoável para o artista. E cuidar de toda parte burocrática (vender para jornais, administrar os contratos e – o mais difícil – cobrar os pagamentos). O Projeto Bota-Tira chegou a ter 84 jornais como clientes, distribuindo tiras diárias de 30 artistas. Em 1990 o tal do Collor extinguiu a Funarte, de uma hora para outra, e minha empresa, a PACATATU, assumiu este e outros projetos que seriam encerrados (Saiba mais sobre este projeto AQUI ).

No NAG desenvolvemos também o Projeto Humor, uma página semanal inteira de cartuns, oferecida de graça para os jornais (subsidiado pela Funarte e patrocinado pela Caninha 51). O Humor foi publicado em 72 jornais e contava com um elenco fantástico de cartunistas. Outro ponto importante do Ziraldo na Funarte foi o intercâmbio entre os quadrinhos brasileiros e a produção no exterior, algo inexistente desde os projetos pioneiros de Álvaro de Moya e outros no início dos anos 50.

Através de sua amizade com o socialista Jack Lang, Ministro da Cultura da França, Ziraldo viabilizou a ida de uma delegação brasileira de 12 artistas para o Festival de Angoulême de 86 (parte dela foi também para o festival de Lucca, na Itália). A exposição “Os Feras dos Quadrinhos Brasileiros” foi exibida em Angoulême e no Consulado Brasileiro em Paris. Chefiei essa delegação e com os contatos nessa viagem passamos a realizar uma série de exposições conjuntas de HQ brasileira & europeia, com a vinda de artistas, numa época em que o público brasileiro não tinha contato com os novos quadrinhos de lá.

Foram coisas como a “Quadrinhoteca 86” (na Funarte), “BD em SP” (no Sesc-Pompeia), entre outras. Começava uma época de efervescência nos quadrinhos brasileiros, principalmente a partir do pessoal da Circo em SP e da grande produção de fanzines e quadrinhos independentes. Isso tudo foi precursor das célebres Bienais Internacionais de Quadrinhos (mas isso já é outra história…)


Bira Dantas


Diego Novaes

A dupla do cartum

Com poucos dias de diferença dois dos grandes nomes do cartum e da charge se foram. Ziraldo e Ykenga (veja matéria sobre sua morte AQUI), eles se conheceram na redação do Pasquim e se tornaram amigos pelo resto de suas vidas. Os artistas Bira Dantas e Diego Novaes, integrantes da equipe da Revista Pirralha, também retrataram a chegada dos amigos ao paraíso dos cartunistas onde Henfil os esperava.

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(*) Ricky Goodwin é jornalista, fotógrafo, diretor de cinema e foi o editor das entrevistas do Pasquim. Americano de nascimento, vive na ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro.