A busca do balão perdido nos quadrinhos

Autor:
Guto Camargo

Seção:
Quadrinhos

Publicado em:
24 de Agosto de 2023

Tempo de leitura:
5 minutos

Exemplos de balões em HQs do início do século XX (montagem com imagens do Crumbling Paper Archive reproduzidas por Steven Stwalley - Flicker)

A busca do balão perdido nos quadrinhos

Por: Guto Camargo

 Se fizermos uma pesquisa para saber qual é o elemento gráfico mais característico de uma história em quadrinhos o balão é um sério candidato a ser escolhido. Dependendo da forma como se apresenta ele pode indicar uma conversa em tom normal, um grito, um sussurro e até o pensamento do personagem; trata-se de uma das invenções mais geniais das artes gráficas. Sua versatilidade é tanta que ao combinar a tipologia das letras usadas em seu interior com o traçado que o delimita é possível expressar sentimentos como amor, raiva, medo, a criatividade do artista parece ser o limite.

No entanto, quando as histórias em quadrinhos surgiram o balão não estava presente. As narrativas sequências pioneiras, como as brasileiríssimas aventura de Nhô Quim (Ângelo Agostini, 1869), Max und Moritz (Wilhelm Busch, Alemanha, 1865) e o Yellow Kid (Richard Outcault, EUA, 1895) apresentavam as falas escritas abaixo dos desenhos ou como legendas inseridas nas imagens. Entre estes pioneiros, o Yellow Kid apesar de ser o mais novo deles é o que alcançou maior  notoriedade, certamente por que os quadrinhos americanos, graças a grande circulação da imprensa nos EUA, foram os primeiros a se constituírem como uma moderna indústria capitalista e, uma vez exportada para todos os cantos do globo ofuscaram o pioneirismo das publicações de outras nacionalidades mesmo sendo anteriores. Isto fez com que, para muitas pessoas, aquele garoto amarelo passasse a ser conhecido como o verdadeiro marco inicial das histórias em quadrinhos.

Em que pese o pioneirismo da obra de Outcault, esta visão parece um pouco exagerada, a começar pelo fato que o Yellow Kid sequer aparece nos primeiras desenhos da série Hogans Alley - que estreou em 5 de maio de 1895 no jornal New York World - cujas histórias se passam no bairro pobre de Hogan. A rigor, sequer se trata de uma história em quadrinhos, mas sim de um cartum de um único quadro que não apresenta nenhum balão e continuaria assim nas edições seguintes, inclusive, sem o tal garoto amarelo.

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Página de estreia do Hogans Alley onde surgiu o Yellow Kid. Na imagem embaixo a direita pode-se ver um garoto de camisolão - que ainda não é amarelo - mas que, posteriormente, seria o modelo para o futuro personagem (imagem: comic book plus).

O fato é que com o passar do tempo o garotinho ganha sua roupa amarela, passa a ser chamado de Yellow Kid e assume o protagonismo da serie. Com estas mudanças ela  passa a se aproximar cada vez mais com aquilo que entendemos ser uma história em quadrinhos, ou seja, uma narrativa que se desenvolve em mais de um quadro com um personagem central. Quanto ao surgimento dos balões, ele começa a ser visto nas histórias mas de maneira secundária e pouco explorado, aparecendo apenas em personagens secundários uma vez que o diálogo do Garoto Amarelo é sempre estampado em seu camisolão.

Esta página, de 6 de dezembro de 1896, já se apresenta com as características das HQs, uma sequência de quadros onde há, inclusive, alguns balões com a fala dos animais, mas o personagem principal não os utiliza (imagem: Comic Book Plus).

Mas Richard Outcault continua alternando quadrinhos e cartuns sem aprofundar o uso dos balões em seu protagonista de camisolão, o que leva alguns pesquisadores a afirmar que o verdadeiro criador das bases da linguagem dos quadrinhos foi Rudolph Dirks com os Katzenjammer Kids (Os Sobrinhos do Capitão no Brasil). A publicação estreou nas páginas do New York Journal em 12 de dezembro de 1897, ainda sem balão mas já narrando a história com uma sequência de quadros em tiras, e não tardou para incorporar o uso dos balões. Os Katzenjammer Kids obviamente foram baseados em Max und Moritz, de Wilhelm Busch, que o imigrante alemão Rudolph Dirks deveria ter conhecido de sua terra natal, uma vez que ele chegou aos EUA com sete anos de idade. De qualquer forma, o dono do jornal, William Randolph Hearst, conhecia os personagens de suas viagens à Europa e o sugeriu como modelo a ser seguido para a série que encomendou para o artista com o objetivo de concorrer com o Yellow Kid.

Estabelecer  o marco inicial da introdução dos balões nas HQs é um trabalho reservado para grandes pesquisadores, mas, com certeza, nos primeiros anos do século XX o balão havia sido assimilado pelos criadores dos quadrinhos e era de uso corrente nas páginas da imprensa  norte americana.

O uso dos balões como o forma de comunicação e as imagens em sequência (tiras)se tornaram padrão nos quadrinhos no início do século XX: Katzenjammer Kids (1901); Haappppy Hoolican (1901); Prof. Wayupski (1902) e Buster Brown (1903) (imagens: Digital Comic Museum e Der Spiegel).

A pré--história do balão das HQs pode ser encontrada no século XVIII, principalmente nas gravuras de caráter satírico que apresentavam as falas diretamente sobre as imagens. Inicialmente os balões das primeiras histórias em quadrinhos guardavam mais semelhanças com estas gravuras do que com os balões usados atualmente nas HQs, como pode ser visto nestes exemplos. A imagem da esquerda foi impressa no ano de 1792 e a da direita em 1798, ambas em Londres (acervo British Museun).