Autor:
Redação
Seção:
Ponto de vista
Publicado em:
26 de Fevereiro de 2024
Tempo de leitura:
5 minutos
A ilustradora Dadí e suas principais criações na área dos quadrinhos
Autora de quadrinhos luta pela publicação
Por: Redação
Depoimento: Dadí - Ignez de Castro (*)
Nos anos cinquenta a boa produção e boa venda de gibis teve alguns momentos nada edificantes que meu falecido amigo e mestre de roteiro de HQ, Gedeone Malagola (1924 – 2008), não teve pejo em me contar. Os gibis de terror vendiam bem, quem comprava era a meninada em torno de 10 a 14 anos. O segredo é que, além de medo e violência, que os adolescentes adoram, tinha bastante erotismo e assim os garotos podiam ler “safadeza” sem a família saber. Por este motivo as grandes editoras, Abril à frente, foram a Brasília para denunciar a “sedução dos inocentes” e estas revistas foram proibidas, o que arruinou o ramo. (1)
Mas a HQ nem sempre foi um campo ético: quando um título estrangeiro vendia bem e, de repente, a editora não enviava mais originais alguns artistas pegavam a HQ de outro personagem e fazia gambiarra transformando um herói em outro. Foi assim que nasceu a “única HQ do Fantasma em Nova York!”
Vendendo em banca
Em relação à venda em bancas, o Dario Chaves e o Carlos Mann me deram a oportunidade de publicar pela Editora Escala, tanto em coletivas quanto em gibis autorais totalmente meus. Foi um fracasso. E eu fiz o que pude para divulgar. A revista Bichos do Mato não ficava nem junto de HQs adultas, ficava escondido nas prateleiras baixas. Os Pleistocênicos, mesma coisa, a tira era publicada semanalmente no Correio Popular de Campinas mas ficava na página infantil e as crianças não entediam e não gostavam, o público leitor era majoritariamente de adultos.
Publiquei uma HQ longa no selo Escala Graphic Talents, de incentivo a gibi autoral e sem definição exata de público. A proposta era que o gibi que vendesse bem teria continuidade, mas o único que chegou ao número dois foi o Mico Legal, supostamente um gibi sobre preservação da natureza. Na prática eram sátiras de programas populares da TV, como a Casa dos Artistas e o Gugu. Foi isso que quebrou o gelo do público em relação a algo "novo", que era, na verdade, mais do mesmo.
Aproveito para fazer um desabafo que só fiz até agora para o quadrinista Will, que conheci em 2013 na feira de independentes Jundcomics.
Quando percebi a chegada das feiras de independentes e, concomitantemente, fui convidada a participar da Periquitas, vi grandes possibilidades de um futuro melhor no Jundcomics, no Itcon de Itatiba, no HQ Fest de Indaiatuba, no Troca Nerd de Campinas... Sem falar no PROAC e Editais Municipais de incentivo às HQs.
Até que chegou a CCXP. Pensei: acabou tudo. E acabou mesmo. O “jeitinho estadunidense’ e o “money” quebraram as pernas de algo que estava indo em passo de tartaruga mas crescia. Agora é um verdadeiro desespero ver os artistas se matando de fazer pôsteres de personagens estadunidenses para vender na feira, e um gibizinho marreta para cumprir a exigência de “novo lançamento do ano”. Em 2023 o preço de uma mesa atingiu exorbitantes R$ 1.150,00, bem longe dos vinte, trinta, cinquenta que se pagava nas feirinhas independentes. Para conseguir algum lucro precisa vender muito. Nem sempre as suas coisas, não o seu trabalho “desconhecido”, mas aquilo que os fãs vieram comprar: cultura pop dos EUA.
Sai Abril, entra Panini
As bancas de revistas estão afundando, mas não só pelas inúmeras crises financeiras. Estamos agora num tempo tão novo, que somente será desfrutado pelos que souberem aproveitá-lo. A era dos independentes chegou. Crie algo. Publique na Internet, sem gastar um tostão com gráficas e distribuição. Esteja antenado com o público de jovens adultos, o que mais curte animação e HQ e ofereça o que eles querem ver. E seja pago pelos canais de distribuição ao produzir conteúdo que atraia público. Milhares, depois milhões. Obtenha patrocínio deles para fazer sua obra se expandir através das “vaquinhas virtuais”. E, sim, produza conteúdo ligado à HQ japonesa. Pode criar seu estilo, mas estude para ter algo atraente e compreensível.
Ou continue produzindo do seu jeito e faça como eu, sendo funcionária pública e fazendo HQ independente por prazer, sabendo que há pessoas que gostam do que você faz e entendem suas propostas, e isso é o bastante.
Cotas de publicação nacional? Nem pensar. Nos anos setenta, a pretexto de incentivar o cinema nacional, foi criada uma lei que exigia que, antes de um filme longo estrangeiro, fosse exibido um curta-metragem nacional. Eu devia ter uns oito anos, dormia no ombro da minha irmã e, de vez em quando acordava para perguntar “Acabou?”, e ela: “Ainda não”. Eu tinha ido assistir “A Dama e o Vagabundo”, um atraente filme dos EUA e tinha interesse zero naquele soporífero documentário sobre futebol brasileiro que me era empurrado.
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(1) Como resultado desta pressão em 1965 o general Castelo Branco promulgou a Lei das Publicações Perniciosas aos Jovens que na prática instaurou a censura oficial nos gibis (primeira lei de censura oficial da ditadura – antes do AI5) ao proibir a circulação de revistas destinadas à juventude com cenas de crime, violência ou terror, o que impactou o mercado das pequenas editoras. (nota do editor)
(*) Dadí (Ignez de Castro) - Formada em Educação Artística pela Unicamp em 1987 é ilustradora e começou a publicar seus gibis em 1994 na editora Escala. Como autora independente publicou “A Memória da Terra” e roteirista do romance gráfico Coração de Pombo (desenhos de Debbie Garcia). Foi professora de arte e bibliotecária na cidade de Jundiaí.