Scott Adams; o neoliberal dos quadrinhos!

Autor:
Guto Camargo

Seção:
Ponto de vista

Publicado em:
1 de Março de 2023

Tempo de leitura:
6 minutos

Scott Adams; o neoliberal dos quadrinhos!

Por: Guto Camargo

Scott Adams é uma personalidade famosa do mundo dos cartuns, pelo menos era até o escândalo que promoveu com suas declarações de cunho racistas pronunciadas na quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023 em seu canal do YouTube, Real Coffee with Scott Adams, A história começou quando o criador dos quadrinhos de Dilbert (imagem ao lado) comentou uma pesquisa de opinião pública feita pela Rasmussen Reports, cuja metodologia de pesquisa é baseada em consultas telefônica e internet, método considerado pouco preciso e até mesmo tendencioso por especialistas, que afirma que 53% dos negros americanos discordam da afirmação: “É legal ser branco” (It’s okay to be white), uma frase usada pelo movimento de supremacia branca.

A partir desta pesquisa Scott Adams faz a avaliação de que os negros se opõem aos brancos, o que os torna “um grupo de ódio”  e portanto “Não quero ter nada a ver com eles”,  para terminar seu comentário com a afirmação “E eu diria, com base no jeito como as coisas estão indo, que o melhor conselho que eu daria aos brancos é fugir dos negros, apenas fugir ... porque não há como consertar isto”.

A reação à suas palavras se deu imediatamente com diversos jornais dos EUA deixando de publicar suas tiras sob o argumento de que não professam ideias de cunho racista, na sequencia, em 27 de fevereiro,  a distribuidora da tirinha, a Andrews McMeel Universal, suspendeu sua comercialização para no dia seguinte rescindir por completo o contrato com o autor. Segundo a agência de notícias Reuters o desenhista admitiu que "a maior parte da minha renda terá acabado na próxima semana", e que. "Minha reputação para  está destruída para  o resto da minha vida. Você não pode voltar atrás."Mas, como o mundo gira, Elon Musk o defendeu pelo seu Twitter e disse que a mídia e as escolas de elite são "racistas contra brancos e asiáticos".

Dilbert estreou nos quadrinhos em 1989 quando Adams ainda trabalhava no departamento de tecnologia da Pacific Bell, que servia de modelo e inspiração para suas tiras. O cartunista só sairia da empresa em 1995 para se dedicar inteiramente a sua criação. No Brasil Dilbert não obteve tanto sucesso assim - foi publicada na Folha de S.Paulo por um período e cancelada - mas alcançou certa popularidade entre pessoas da área de negócios, administração e marketing, Grande parte dos cartunistas brasileiros  também não a considerava uma boa história em quadrinhos.

Agora Dilbert deixou de ser desenhada e sua última tira já foi publicada nos jornais de domingo, no entanto, o site The Daily Cartoonist, afirmou que Adams pretende " continuar a história em quadrinhos em uma plataforma de assinatura online (através de um paywall)". Mas Scott Adams, que tem dinheiro suficiente para se aposentar, já colecionava desafetos a um bom tempo, o San Francisco Chronicle deixou de publicar seu trabalho em 2022  sob a alegação de que a tira “passou de hilária para dolorosa e maldosa”, segundo informa a agência Associated Press.

O jornal Cleveland Plain Dealer deixou em branco o espaço da tira de Dilbert do dia 25 de fevereiro, iniciativa que levou o quadrinhista  Derf Backderfem a publicar em seu twitter "Posso afirmar, com absoluta certeza, que esta é a primeira vez que uma tira de Dilbert me faz rir tão alto".

Sociologia Dilbertiana do trabalho

Com o sucesso da tira entre os integrantes do mundo corporativo Scott Adams tornou-se uma espécie de símbolo da meritocracia capitalista que tanto encanta os neoliberais mundo afora e, para coroar sua persona,  o autor sempre foi adepto da modernidade. Em 1993, em uma atitude pouco usual à época, disponibilizou seu endereço de email aos leitores, criou o site Dilbert Zone, escreveu livros onde de forma bem humorada procurava dar conselhos ao mudo empresarial, aderiu ao Twitter e criou um canal no You Tube onde se apresenta como um guru ou  influencer  que ensina "como ser mais eficaz na vida".

Em uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 12 de julho de 1997 (caderno Folha Ilustrada), portanto no auge de seu sucesso, Scott Adams soa um tanto cabotino, perguntado sobre o que ele tem em comum com seu personagem responde: "Tenho a habilidade social do Dilbert, sua história de trabalho e seu sucesso nos namoros" e um pouco adiante sobre o motivo de escrever responde sem rodeios; "Faço pelo dinheiro". Em uma entrevista anterior, também na Ilustrada (14 de março de 1997) comenta sobre críticas que recebe;"Na verdade exagero ainda mais o que irritou os leitores, pois assim chamo a sua atenção" e ao final se vangloria "nunca tirei férias de verdade e só viajo a trabalho.Por azar ou sorte não tenho necessidade de me divertir".

Como se pode perceber, trata-se de um típico yuppie e não é por acaso que Dilbert foi parido em 1989 - o mesmo ano da queda do Muro de Berlim - e cresceu na década de 1990 em pleno ambiente competitivo das grandes corporações de Wall Street sob a benção do cientista político e economista americano Francis Fukuyama, autor do livro O fim da História, onde preconizava a vitória final e definitiva do capitalismo como sistema social. Mas a história não parou, novos atores sociais surgiram e as demandas das minorias foram se tornando cada vez mais visíveis fazendo com que o universo autocentrado de Dilbert fosse perdendo ressonância social e se isolando em uma bolha corporativa e conservadora.

"O que condenou Dilbert foi que Adams, como Al Capp antes dele, deixou suas visões pessoais cada vez mais antissociais aparecerem na tira. O foco nas fraquezas da administração há muito havia se tornado secundário e o novo material fugia do tema e não era apenas conservador - muitas tiras são conservadoras - mas se tornou abertamente ofensivo".

Mike Peterson, editor do The Daily Cartoonist

A tira de Dilbert, que surgiu como uma certa crítica cínica do mundo empresarial com o tempo foi diminuindo a crítica e aumentando o cinismo. O universo "Branco, Anglo Saxão e Protestante" (WASP - White, Anglo-Saxon and Protestant) das tirinhas praticamente sem personagens negros ou mulheres passou a incorporar cada vez mais os valores conservadores de seu autor que, entre outras coisas, apoiou abertamente Donald Trump. O encerramento dos quadrinhos de Dilbert soa como a crônica de uma morte anunciada devido a sua inadequação às novas demandas sociais.Talvez Dilbert tenha morrido neste momento exatamente por que a sociedade neoliberal onde ele nasceu e cresceu encontra cada vez mais resistência e da sinais de que talvez também se encontre moribunda.

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Foto de abertura Scott Adams em sua residência (obtida no Facebook do artista)